A Surpreendente Origem da Doutrina da Trindade

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A maioria das pessoas acredita que tudo que carrega o rótulo de “cristão” deve ter se originado em Jesus Cristo e seus primeiros seguidores. Mas, definitivamente, este não é o caso. Tudo que temos a fazer é verificar as palavras de Jesus Cristo e Seus apóstolos para ver claramente que isto não é verdade.

Tal como Jesus e os escritores do Novo Testamento predizeram, o registro histórico mostra que várias ideias heréticas, assim como mestres apoiando esses conceitos, surgiram de dentro da Igreja primitiva, e outros de fora se infiltraram nela. O próprio Cristo advertiu a seus seguidores: “Acautelai-vos, que ninguém vos engane. Porque muitos virão em meu nome . . . e enganarão a muitos” (Mateus 24:4-5).

Você pode ler muitas advertências semelhantes em outras passagens (como Mateus 24:11, Atos 20:29-30, 2 Coríntios 11:13-15; 2 Timóteo 4:2-4, 2 Pedro 2:1-2, 1 João 2:18-19, 26; 4:1-3).

Quase duas décadas após a morte e ressurreição de Cristo, o apóstolo Paulo escreveu que muitos crentes já estavam “passando . . . para outro evangelho” (Gálatas 1:6). Ele escreveu que foi forçado a lutar contra “falsos apóstolos, obreiros fraudulentos”, que estavam dissimuladamente “transfigurando-se em apóstolos de Cristo” (2 Coríntios 11:13). Um dos grandes problemas que ele teve que lidar foi o dos “falsos irmãos” (versículo 26).

Perto do final do primeiro século, como vemos em 3 João 9-10, as condições ficaram tão terríveis que os falsos ministros se recusavam abertamente a receber os representantes do apóstolo João e até excluíam os verdadeiros cristãos da Igreja!

Deste período preocupante Edward Gibbon, um historiador famoso, escreveu, em sua clássica obra A História do Declínio e Queda do Império Romano, que uma “nuvem negra pairava sobre a primeira era da igreja” (The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, 1821, vol. 2, pág . 111).

Não demorou muito para que verdadeiros servos de Deus se tornassem uma minoria marginalizada e dispersa entre aqueles que se autodenominavam cristãos. Uma religião muito diferente, agora comprometida com muitos conceitos e práticas enraizadas no antigo paganismo (essa mistura de crenças religiosas veio a ser conhecida como sincretismo, comum na época do Império Romano), apoderou-se e modificou a fé estabelecida por Jesus Cristo.

O historiador Jesse Hurlbut diz sobre esse tempo de transformação: “Nós intitulamos a última geração do primeiro século, 68-100 d.C., ‘A Era das Trevas’, em parte porque as trevas da perseguição vieram sobre a igreja, mas mais especificamente porque de todos os períodos da história [da Igreja], é essa a era sobre a qual sabemos pouquíssimo. Não temos mais a brilhante luz do Livro de Atos para nos guiar, e nenhum autor dessa era tem preenchido o espaço vazio na história . . .

“Por cinquenta anos, após a vida de São Paulo, uma cortina pairou sobre a igreja, através da qual nos esforçamos em vão para olhar, e quando finalmente ela se levanta, cerca do ano 120 d.C. com os escritos dos mais antigos padres da igreja, encontramos uma igreja, em muitos aspectos, muito diferente daquela dos dias de São Pedro e São Paulo” (A História da Igreja Cristã [The Story of the Christian Church], 1970, pág. 33).

Esta igreja “muito diferente” iria crescer em poder e influência, e dentro de poucos séculos dominaria até mesmo o poderoso Império Romano!

Por volta do segundo século, os membros fiéis da Igreja, o “pequeno rebanho” de Cristo (Lucas 12:32), tinham sido totalmente espalhados pelas ondas de perseguição mortal. Eles se mantiveram firmemente na verdade bíblica acerca de Jesus Cristo e Deus Pai, ainda que perseguidos pelas autoridades romanas e até por aqueles que professavam o Cristianismo, mas que na realidade ensinavam sobre “outro Jesus” e “outro evangelho” (2 Coríntios 11:4, Gálatas 1:6-9).

As diferentes ideias sobre a divindade de Cristo conduziriam a conflitos

Este foi o cenário em que a doutrina da trindade surgiu. Nessas primeiras décadas após o ministério, morte e ressurreição de Jesus Cristo, e incluindo os primeiros séculos que se seguiram, várias ideias surgiram quanto à Sua exata natureza. Foi Jesus Cristo um homem? Era Deus? Era Deus em figura de um homem? Foi uma ilusão? Foi um simples homem que se tornou Deus? Foi criado por Deus Pai ou existia eternamente com o Pai?

Todas essas ideias tiveram seus proponentes. A uniformidade de crença da Igreja original foi perdida com as novas crenças que muitos tomavam emprestado ou adaptavam de religiões pagãs, substituindo os ensinamentos de Jesus e dos apóstolos.

Sejamos claros que, quando se trata de debates intelectuais e teológicos nos séculos que levaram à formulação da trindade, a verdadeira Igreja estava em grande parte ausente da cena, tendo sido empurrada para a clan destinidade. (Consulte o capítulo “O Surgimento de um Falso Cristianismo” em nosso livro gratuito A Igreja que Jesus Edificou para uma visão geral desse período crítico. Você pode baixar ou solicitar o seu exemplar gratuito em www.revistaboanova.org/literatura).

Por esta razão, nesse período tempestuoso vemos frequentemente debates que não são entre a verdade e o erro, mas entre um erro e outro erro diferente―uma verdade raramente reconhecida por muitos estudiosos modernos, porém é crucial para nossa compreensão.

Um exemplo clássico disso foi a disputa sobre a natureza de Cristo que levou o imperador romano Constantino, o Grande, a convocar o Concílio de Nicéia (na atualidade localizado a oeste da Turquia), em 325 d.C.

Constantino, apesar de ser defendido por muitos como o primeiro imperador romano “cristão”, era na verdade um venerador do sol até ser batizado em seu leito de morte. Durante seu reinado, ele teve seu filho mais velho e sua esposa assassinados. Ele também era veementemente anti-semita, referindo-se em um de seus decretos “a multidão detestável de judeus” e aos “costumes desses homens perversos”―costumes estes que, na verdade, tinham suas raízes na Bíblia e praticados por Jesus e os apóstolos.

Como imperador, em um período de grande tumulto dentro do Império Romano, Constantino encontrou desafios para manter o império unificado. Ele reconheceu o valor da religião para unir seu império. Este foi, de fato, uma de suas principais motivações para aceitar e sancionar a religião “cristã” (que, nessa altura, tinham se afastado muito dos ensinamentos de Jesus Cristo e dos apóstolos, e que era ‘cristã’ apenas no nome).

Mas agora Constantino enfrentava um novo desafio. A pesquisadora de religião Karen Armstrong explica em A História de Deus que “um dos primeiros problemas que teve de ser resolvido foi a doutrina sobre Deus . . . um novo perigo interno surgiu o qual dividia amargamente os cristãos em campos opostos” (A History of God, 1993, pág. 106).

O debate sobre a natureza de Deus no Concílio de Nicéia

Constantino convocou o Concílio de Nicéia no ano 325 d.C., tanto por razões políticas―para a união imperial―como religiosas. A principal questão nessa ocasião veio a ser conhecida como a controvérsia ariana.

“Na esperança de garantir o seu trono ao apoiar o corpo crescente de cristãos, ele demonstrou-lhes um considerável favor e era de seu interesse ter a igreja robusta e unida. A controvérsia ariana estava pondo em risco sua unidade e ameaçando sua força. Ele, portanto, se comprometeu a pôr fim ao problema. A ele foi sugerido, talvez pelo bispo espanhol Hosius, que era de grande influência, que se um sínodo se reunisse representando todas as igrejas, ambas de leste e de oeste, talvez haveria possibilidade de restaurar a harmonia”.

“O próprio Constantino, é claro, não entendia e nem se importava com o assunto em disputa, mas estava ansioso para acabar com a controvérsia, e o conselho de Hosius pareceu-lhe ser ideal para chegarem a uma resolução” (Arthur Cushman McGiffert, A História do Pensamento Cristão [A History of Christian Thought], 1954, vol. 1, pág. 258).

Ário, um padre de Alexandria, no Egito, argumentou que Cristo, sendo Filho de Deus, deveria ter tido um começo e, portanto, era uma criação especial de Deus. Além disso, se Jesus era o Filho, o Pai necessariamente deveria ser mais velho.

Opondo-se aos ensinamentos de Ário, estava Atanásio, um diácono também de Alexandria. Sua visão era sobre uma forma primitiva de trinitarianismo onde o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram um, mas ao mesmo tempo, distintos entre si.

A decisão sobre qual ponto de vista o conselho da igreja aceitaria foi em grande medida arbitrária. Karen Armstrong explica em A História de Deus: “Quando os bispos se reuniram em Nicéia em 20 de maio de 325 d.C. para resolver a crise, muitos poucos demonstraram apoio ao ponto de vista de Atanásio sobre Cristo. A maioria se deteve no meio do caminho entre a posição de Atanásio e a de Ário” (A History of God, pág. 110).

Como imperador, Constantino estava numa posição fora do normal, para decidir a doutrina da igreja, embora ele não fosse realmente um cristão. (No ano seguinte foi quando ele ordenou o assassinato da sua esposa e filho, como mencionado anteriormente).

Historiador Henry Chadwick atesta, “Constantino, tal como seu pai, adorava o deus Sol Invicto” (A Igreja Primitiva [The Early Church], 1993, pág. 122). Quanto ao imperador abraçar o Cristianismo, admite Chadwick, “sua conversão não deve ser interpretada como uma experiência interna de graça . . . Era uma questão militar. O seu nível de compreensão da doutrina cristã nunca foi muito bem entendido” (pág. 125).

Chadwick diz que o batismo de Constantino, em seu leito de morte, por si só, “não deixa nenhuma dúvida sobre sua crença cristã”, sendo comum aos governantes adiar o batismo, para evitar a responsabilidade por coisas como a tortura e execução de criminosos (pág. 127). Mas esta justificativa realmente não ajuda para ratificar a conversão do imperador como genuína.

Norbert Brox, um professor de história da igreja, confirma que Constantino nunca foi realmente um cristão convertido: “Constantino não experimentou qualquer conversão, não há sinais de uma mudança de fé nele. Ele nunca disse que se converteu a outro deus . . . No momento em que se voltou para o Cristianismo, ele adorava o Sol Invictus (o vitorioso deus Sol)” (Uma Breve História da Igreja Primitiva [A Concise History of the Early Church], 1996, pág. 48).

Acerca do Concílio de Nicéia, A Enciclopédia Britânica declara: “O próprio Constantino o presidiu, ativamente orientando as discussões, e pessoalmente propôs . . . a fórmula fundamental para expressar a relação de Cristo com Deus no credo emitido pelo conselho . . . Intimidados pelo imperador, os bispos, com duas únicas exceções, assinaram o credo, embora, muitos deles, a contragosto” (The Encyclopaedia Britannica, edição 1971, vol. 6, “Constantino”, pág. 386).

Com a aprovação do imperador, o concílio rejeitou o ponto de vista minoritário de Ário e, não tendo nada definitivo para substituí-lo, aprovou a visão de Atanásio—também opinião de uma minoria. A igreja foi deixada numa posição difícil quanto ao apoio oficial, daquele ponto em diante, em relação a decisão tomada em Nicéia para endossar a crença apoiada apenas pela minoria dos participantes.

Agora, o terreno para a aceitação oficial da trindade estava preparado—mas, como se vê, levou mais de três séculos após a morte e ressurreição de Jesus Cristo para este ensino antibíblico surgir!

A Decisão de Nicéia não pôs fim ao debate

O Concílio de Nicéia não acabou com a controvérsia. Karen Armstrong explica: “Atanásio conseguiu impor sua teologia aos bispos... com o imperador no seu encalço . . .”.

“A demonstração de concordância agradou a Constantino, que não compreendia as questões teológicas, mas na verdade não havia unanimidade em Nicéia. Depois do Concílio, os bispos continuaram a ensinar como antes e a crise ariana continuou por mais sessenta anos. Ário e seus seguidores lutaram e conseguiram recuperar o favor imperial. Atanásio foi exilado pelo menos cinco vezes. E foi muito difícil fazer valer seu credo” (págs. 110-111).

Às vezes, as divergências em curso eram violentas e sangrentas. Sobre as consequências do Concílio de Nicéia, o historiador Will Durant escreve: “Provavelmente mais cristãos foram massacrados por cristãos nestes dois anos (342-343) do que em todas as perseguições de cristãos pelos pagãos na história de Roma” (A História da Civilização [The Story of Civilization], Vol. 4: A Era da Fé, 1950, pág. 8). Com crueldade, enquanto reivindicavam serem cristãos, muitos crentes lutaram e mataram uns aos outros por causa dos seus pontos de vista diferentes sobre Deus!

A respeito das décadas seguintes, o professor Harold Brown, citado anteriormente, escreve: “Em meados das décadas desse século, 340-380, a história da doutrina parece mais com a história de tribunais, de intrigas entre igrejas e de conflitos sociais . . . As doutrinas centrais elaboradas nesse período, frequentemente parecem ter sido apresentadas através de intrigas ou pela violência popular, e não de comum acordo da cristandade guiada pelo Espírito Santo” (pág. 119).

O debate desvia seu foco para a natureza do Espírito Santo

Então, os desacordos passam a centrar-se em torno de outra questão, a natureza do Espírito Santo. A este respeito, a declaração divulgada no Concílio de Nicéia simplesmente disse: “Cremos no Espírito Santo”. Isto “parece ter sido adicionado ao credo Atanasiano em uma reflexão posterior”, escreve Karen Armstrong. “As pessoas estavam confusas sobre o Espírito Santo. Era simplesmente um sinônimo de Deus ou era algo mais?” (pág. 115).

O professor Ryrie, também citado anteriormente, escreve: “Na segunda metade do século IV, três teólogos da província da Capadócia, no leste da Ásia Menor [hoje Turquia central] deram a forma definitiva à doutrina da trindade” (pág. 65). Eles propuseram uma ideia que foi um passo além da visão de Atanásio—que Deus, o Pai, Jesus, o Filho, e o Espírito Santo eram coiguais e juntos em um único ser, mas também distintos entre si.

Estes homens—Basil, bispo de Cesaréia, seu irmão Gregório, bispo de Nissa, e Gregório de Nazianzo—eram todos “treinados na filosofia grega” (Armstrong, pág. 113), a qual sem dúvida afetaram suas perspectivas e crenças (veja “A Influência da Filosofia Grega Sobre a Doutrina da Trindade”,).

Na opinião destes homens, explica Karen Armstrong, “a trindade só faz sentido como uma experiência mística ou espiritual . . . Não como uma formulação lógica ou intelectual, mas um paradigma imaginário que confundia a razão. Gregório de Nazianzo deixou isso claro quando explicou que a contemplação de ‘três em um’ induzia a uma emoção profunda e avassaladora que confundia o pensamento e a clareza intelectual.

“Mal consigo conceber o Um quando sou iluminado pelo esplendor dos Três; e mal chego a distinguir os Três quando sou levado de volta para o Um. Quando eu penso em qualquer um dos Três, penso dele como um todo; não consigo visualizar mais, pois a maioria do que eu estou pensando não entendo” (pág. 117). Não é de admirar que, como Armstrong conclui: “Para muitos cristãos ocidentais . . . a trindade é simplesmente incompreensível” (ibidem).

As contínuas disputas levam ao Concílio de Constantinopla

No ano 381, quarenta e quatro anos após a morte de Constantino, o imperador Teodósio, o Grande, convocou o Concílio de Constantinopla (hoje Istambul, Turquia) para resolver essas disputas. Gregório de Nazianzo, recém-nomeado arcebispo de Constantinopla, presidiu o conselho e pediu a adoção de seu ponto de vista sobre o Espírito Santo.

O historiador Charles Freeman afirma: “Praticamente nada se sabe dos debates teológicos do Concílio de 381, mas Gregório foi certamente na esperança de obter alguma aceitação de sua crença de que o Espírito era con substancial com o Pai [significando que são pessoas do mesmo ser, visto que substância neste contexto denota qualidade individual].

“Seja pela falta de habilidade para lidar com o assunto ou se simplesmente por não terem chance de consenso, os bispos ‘macedônios’, que se recusaram a aceitar a plena divindade do Espírito Santo, deixaram o concílio . . . Portanto, Gregório repreendeu os bispos por preferirem ter uma maioria ao invés de simplesmente aceitarem a sua declaração da ‘Palavra Divina’ da Trindade” (381 D.C.: Hereges, Pagãos e o Alvorecer do Estado Monoteísta [Heretics, Pagans and the Dawn of the Monotheistic State], 2008, pág. 96).

Pouco depois Gregório ficou doente e teve que retirar-se do concílio. Agora, quem iria presidir? “Foi assim que Nectarius, um senador idoso que tinha sido um popular ex-prefeito da cidade por causa de seu patrocínio dos jogos, mas que ainda não era um cristão batizado, foi escolhido... Nectarius parecia não conhecer a teologia, e teve que ser iniciado na fé necessária antes de ser batizado e consagrado” (Freeman, págs. 97-98).

Estranhamente, um homem que até este ponto não era cristão foi nomeado para presidir um importante concílio da igreja encarregado de determinar o que seria ensinado sobre a natureza de Deus!

A trindade torna-se uma doutrina oficial

O ensinamento dos três teólogos capadócios “tornou possível que o Concílio de Constantinopla (381) afirmasse a divindade do Espírito Santo, que até aquele momento não havia sido claramente estabelecida, nem mesmo nas Escrituras” (A Enciclopédia Harper-Collins do Catolicismo [The Harper-Collins Encyclopedia of Catholicism], “Deus”, pág. 568).

O concílio aprovou uma declaração que, em parte, diz o seguinte em português: “Nós cremos em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos . . . E acreditamos no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai, que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, que falou através dos profetas . . .”. A declaração também afirma a crença “na Igreja Una, Santa, Católica [ou seja, neste contexto, universal, total ou completa] e Apostólica . . .”.

Com esta declaração em 381 d.C., que se tornaria conhecida como o Credo Niceno-Constantinopolitano, a trindade como geralmente é entendida hoje em dia tornou-se a crença oficial e ensinamento sobre a natureza de Deus.

O professor de teologia, Richard Hanson, observa que o resultado obtido na decisão do conselho “foi reduzir as explicações do significado da palavra ‘Deus’, de uma extensa lista de alternativas, a uma só explicação”, de modo que “quando o homem ocidental de hoje diz ‘Deus’ ele está duma maneira geral a referir-se ao único e exclusivo Deus [Trinitário] e nada mais” (Estudos da Antiguidade Cristã [Studies in Christian Antiquity], 1985, págs. 243-244).

Assim, o imperador Teodósio―que tinha sido batizado apenas um ano antes da convocação do concílio—foi, como Constantino quase seis décadas antes, instrumento no estabelecimento de importante doutrina na igreja. Como o historiador Charles Freeman observa: “É importante lembrar que Teodósio não tinha qualquer formação teológica e estabeleceu como se fosse um dogma uma fórmula contendo problemas filosóficos difíceis de resolver dos quais ele não estaria ciente. Com efeito, as leis do imperador silenciaram o debate quando ainda não estava resolvido” (pág. 103).

As outras crenças sobre a natureza de Deus foram proibidas

Agora que a decisão tinha sido alcançada, Teodósio não toleraria opiniões divergentes. Ele lançou seu próprio decreto que dizia: “Agora, nós ordenamos que todas as igrejas sejam entregues aos bispos que professam Pai, Filho e Espírito Santo como uma única majestade, de mesma glória, e de esplendor único, aos [bispos] que não estabelecem nenhuma distinção por separação sacrílega, mas (que afirmem) a ordem da Trindade, reconhecendo as Pessoas e unindo a Divindade” (citado por Richard Rubenstein, Quando Jesus Se Tornou Deus [When Jesus Became God], 1999, pág. 223).

Outro edito de Teodósio foi mais longe ainda ao exigir o cumprimento da nova doutrina:

“Devemos acreditar na divindade única do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em igual majestade e em santa Trindade. Nós autorizamos os seguidores desta lei a assumirem o título de Cristãos Católicos, mas para os outros, uma vez que, em nosso julgamento, eles são loucos insensatos, nós decretamos que sejam marcados com o nome ignominioso de hereges, e não deverão ousar dar a seus conventículos [assembleias] o nome de igrejas.

“Eles sofrerão, em primeiro lugar, o castigo da condenação divina, e em segundo, a punição que a nossa autoridade decidir aplicar, de acordo com a vontade do céu” (reproduzida em Documentos da Igreja Cristã [Documents of the Christian Church], Henry Bettenson, editor , 1967, pág. 22).

Assim, vemos que um ensinamento que era estranho para Jesus Cristo, nunca ensinado pelos apóstolos e desconhecido dos outros escritores bíblicos, foi implantado no lugar da verdadeira revelação bíblica sobre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Qualquer um que discordasse era estigmatizado como herege e tratado como tal, de acordo com os decretos do imperador e das autoridades da igreja.

A doutrina da trindade foi decidida por tentativa e erro

Essa cadeia incomum de eventos é a razão pela qual os professores de teologia, Anthony e Richard Hanson, em seu livro A crença razoável: Um Estudo da Fé Cristã, resumiram a história anotando que a adoção da doutrina da trindade foi o resultado de “um processo de exploração teológica que durou pelo menos trezentos anos . . . Na verdade, foi um processo de tentativa e erro (ou de muitos erros e poucos acertos), onde o erro não foi limitado ao que não era ortodoxo . . . Seria tolice representar a doutrina da Santíssima Trindade como tendo sido alcançada por qualquer outro meio” (Reasonable Belief: A Survey of the Christian Faith, 1980, pág. 172).

Eles, então, concluem: “Este foi um longo e confuso processo, em que diferentes escolas de pensamento na Igreja trabalhavam de maneira independente, e depois tentavam impor sobre as outras, a resposta deles à pergunta: ‘Quão divino é Jesus Cristo?’ . . . Se alguma vez houve uma controvérsia decidida pelo método de tentativa e erro, certamente foi esta” (pág. 175).

O clérigo anglicano e conferencista da Universidade de Oxford, K.E. Kirk escreve, de forma esclarecedora, sobre a adoção da doutrina da trindade: “A justificativa teológica e filosófica da divindade do Espírito começa no século IV; nós naturalmente nos voltamos para os escritores desse período para descobrir quais os motivos da sua crença. Para nossa surpresa, somos forçados a admitir que eles não tinham nenhum . . .

“Este fracasso da teologia cristã . . . em produzir uma justificativa lógica do ponto fundamental de sua doutrina trinitária é de máxima importância. Antes de voltar à questão da defesa da prática da doutrina, somos forçados a perguntar se a teologia ou a filosofia já forneceu alguma razão pela qual sua crença deve ser trinitária” (“A Evolução da Doutrina da Trindade” [The evolution of the Doctrine of the Trinity], publicado em Ensaios sobre a Trindade e a Encarnação [Essays on the Trinity and the Incarnation], editor A.E.J. Rawlinson, 1928, págs. 221-222).

Por que acreditar em um ensinamento que não é bíblico?

Esta é, resumidamente, a incrível história de como a doutrina da trindade veio a ser introduzida—e como aqueles que se recusaram a aceitá-la passaram a ser estigmatizados como hereges ou infiéis.

Mas será que devemos realmente basear nossa visão sobre Deus em uma doutrina que não está escrita na Bíblia, que não foi formalizada até três séculos depois da época de Jesus Cristo e dos apóstolos, que foi debatida e discutida ao longo de décadas (sem esquecer os séculos desde então), que foi imposta pelos concílios religiosos presididos por noviços ou não crentes, e que foi “decidida pelo método de tentativa e erro”?

Claro que não! Na verdade, devemos olhar para a Palavra de Deus—não para ideias de homens—para entender como nosso Criador se revela!