Lavando Todo Orgulho

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Lavando Todo Orgulho

Pedro da Galileia pensava ter visto o Mestre Rabi fazer tudo o devia fazer ao longo dos últimos dias—ser saudado como rei ao entrar em Jerusalém, derrubar as mesas dos cambistas no templo, repreender severamente as autoridades religiosas—mas nada disso o preparou para o que agora estava por vir.

No turbilhão de atividades que antecederam aquela celebração anual da Páscoa, Jesus de Nazaré tinha reservado, para Seus mais íntimos, um momento único de ensinamento sobre como deveriam viver a orientação de segui-Lo.

A Sua morte estava a poucas horas de ocorrer, mas seus ensinamentos não tinham terminado e Seus discípulos ainda não estavam preparados para enfrentar o mundo e refletir Seus valores até compreenderem a lição que Pedro logo aprenderia. Se quisermos ser discípulos de Cristo, devemos compreendê-la a fundo.

Talvez agora fosse o momento oportuno!

Os dias que antecederam essa noite especial e significativa foram de tirar o fôlego para Pedro e os outros discípulos. Algumas semanas antes, eles tinham testemunhado a ressurreição de Lázaro e puderam escutar o som afável da multidão em Jerusalém, pois eles sabiam que Jesus tinha aludido à ideia de que o tempo já era propício para um importante acontecimento.

Será que agora era o momento de restaurar o Reino de Israel sob o comando do Messias prometido? Pois, estava claro que Jesus era o Messias! Certamente a partir daí haveria cargos a preencher e quem melhor para ocupá-los se não aqueles mais próximos a Ele nesses últimos anos?

O que talvez tenha começado entre eles como uma discussão na estrada para Jerusalém agora permeava a atmosfera em torno da mesa que compartilhavam com Jesus. A posição dos assentos nessas ocasiões cerimoniais nunca foi deixada ao acaso. Quem se sentaria mais próximo do Mestre? Quem estaria à Sua direita ou esquerda? Uma grandíssima disputa estava tomando forma em seus corações.

O desejo fervoroso de Jesus

Quando eles estavam reunidos na ceia daquela noite, Jesus declarou com sinceridade: “Desejei muito comer convosco esta Páscoa, antes que padeça, porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no Reino de Deus" (Lucas 22:15-16).

Mas eles não estavam ouvindo porque seus corações estavam cheios de orgulho e egoísmo. Lucas também nos diz que "houve também entre eles contenda sobre qual deles parecia ser o maior" (versículo 24). Aqui, na véspera do triunfo da obra salvadora de Deus através do supremo sacrifício de Seu Filho, essa disputa tomou conta da natureza humana orgulhosa desses companheiros em Cristo.

Jesus começa, cuidadosa e deliberadamente, a definir o cenário para que Pedro possa enxergar à sua própria maneira. Ele afirma: "Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes, o maior entre vós seja como o menor; e quem governa, como quem serve. Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Eu, porém, entre vós, sou como aquele que serve" (Lucas 22:25-27).

Alterando a equação

Cristo modifica drasticamente toda a equação do que nós, seres humanos, "damos importância”. Na rígida cultura daquela época, havia tradições claras envolvendo a família e a ordem social. Além disso, Jesus remove a máscara do mundo greco-romano, onde os próprios governantes se promoviam como "benfeitores"—ou seja, "benévolos com as pessoas", mas na realidade eles controlavam todos os aspectos da vida das pessoas e viviam para serem servidos.

O egoísmo da Pax Romana—a "paz de Roma" imposta ao mundo conhecido à base da violência—tinha um custo: a rendição aos que haviam tomado o poder e a permanente subserviência benigna.

Os doze discípulos ainda não sabiam, mas Jesus, através do exemplo, estava prestes a expor a personalidade de seu Reino naquela noite e prover um contraste marcante entre o que está no coração do homem e aquilo que está no amoroso coração de Deus.

Ele havia dito anteriormente: "O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir" (Mateus 20:28), mas isso foi apenas outras tantas palavras para essa classe de homens  pertinazes que agem como crianças em idade escolar, brincando de "rei da montanha". O tempo era curto! Ele tinha que fazer algo prático para que eles pudessem entender.

Ele sabia exatamente o que fazer, pois estava preparando uma lição com um toque especial.

O costume da época, em que a sandália era o calçado comum, era lavar os pés ao entrar em uma residência após viajar por um dia. As estradas da Galileia e da Judeia, dependendo da época, pareciam um tapete de pó ou lama.

Nessa ceia privada, aparentemente, não havia nenhum escravo doméstico ou servo presente para ajudar com a tarefa de lavar os pés sujos dos que estavam reunidos lá naquela noite. E, com essa tensão no ar, nenhum dos doze estava disposto a pegar as bacias de água e as toalhas!

O imutável exemplo prático

Jesus sabia que o momento era propício para uma lição que perduraria além daquele momento e seria transmitida até o nosso tempo. Estava na hora de lavar a sujeira do orgulho humano!

Ele se levantou, tirou Sua capa, pegou uma toalha, despejou água numa bacia e preparou-se para agir. Ele começou a lavar os pés dos discípulos e secá-los com a toalha (João 13:4-5). Na cultura daquela época era impensável que um rabino considerado ilustre lavasse os pés dos discípulos.

Além disso, o que os discípulos não sabiam é que Cristo tinha plena consciência disso naquele momento: "Sabendo que o Pai tinha depositado em Suas mãos todas as coisas, e que havia saído de Deus, e que ia para Deus” (versículo 3). Nesse dia, véspera do Seu supremo sacrifício pessoal, estava por vir o momento de extrema humildade individual.

Agora, esse processo de limpeza de eventos se deteve Pedro. Jesus abaixou-se com as mãos sobre os joelhos e olhou para o rosto espantado de Seu discípulo.

Pedro perguntou: "Senhor, vais lavar os meus pés?" (versículo 6, NVI). Jesus respondeu: "Você não compreende agora o que estou lhe fazendo; mais tarde, porém, entenderá" (versículo 7, NVI). Pedro retrucou: "Não; nunca lavarás os meus pés!" (versículo 8, NVI).

Jesus, então, respondeu-lhe com muita franqueza: "Se eu te não lavar, não tens parte comigo" (versículo 8). Pedro disse ansiosamente: "Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça" (versículo 9). Cristo disse: "Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo. Ora, vós estais limpos, mas não todos" (versículo 10).

Quando Ele fala "mas não todos," Jesus sabia que um traidor estava presente. O comentarista escocês William Barclay capta esse momento:

"Esse conhecimento podia ter facilmente se tornado em amargura e ódio; mas isso fez com que seu coração entregasse mais amor do que nunca. A coisa surpreendente foi que as pessoas que mais O machucavam eram as que Jesus mais amava. É tão fácil e natural ter ressentimento e deixar crescer a amargura diante de insultos e agressões; mas Jesus sofreu as maiores injúrias e muita deslealdade com imensa humildade e supremo amor" (A Nova Bíblia de Estudo Diário: O Evangelho de João, Vol. 2, 2001, p. 161).

Continuando com o relato de João: “Depois que lhes lavou os pés, e tomou as suas vestes, e se assentou outra vez à mesa, disse-lhes: Entendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque eu o sou. Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. Na verdade, na verdade vos digo que não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado, maior do que aquele que o enviou. Se sabeis essas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes" (versículos 12-17, grifo do autor).

Esta declaração não foi concebida apenas para esse evento momentâneo, mas era para demonstrar um estilo de vida habitual orientado ao serviço humilde aos outros e a permitir que Deus nos abençoe em vez de assumir as rédeas da situação e tomar o assunto em nossas próprias mãos.

Ajoelhando-se com Cristo

À medida que nos afastamos desse antigo cenário dessa ceia, devemos nos perguntar que lições nós podemos internalizar ao caminhar rumo ao chamado de Cristo que disse “Segue-me”. Aqui estão várias lições que nós podemos tirar desse evento de seguir a Cristo:

• Espere o inesperado de Deus Pai e de Seu Filho. Deus diz claramente: "Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor" (Isaías 55:8). Pedro precisava desse lembrete—e nós também precisamos. Quando chegam os momentos de ensinamento, devemos aprender a ser renovados como Pedro, permitindo que o Espírito de Deus e o Verbo possam lavar nosso orgulho com essa uma lição perpétua. Peça a Deus para ajudá-lo a ser sensível e receptivo ao Seu processo de modelagem como foi feito com Seus discípulos antes.

• Nunca subestime que Deus sabe exatamente o que precisamos e quando deve intervir em nossas vidas, mesmo antes de nós mesmos percebermos. Ele sabe exatamente como chamar nossa atenção e nos dar uma lição que vai penetrar em nossos corações.

• Compreenda que Deus continua a lavar o nosso orgulho de diferentes maneiras, muitas vezes começando com coisas e assuntos muito pequenos. Geralmente, Deus usa coisas "pequenas" para declarar Seus grandes propósitos, quer seja o peixe e o pão de um garoto ou um pouco de barro colocado sobre os olhos de uma pessoa para curá-la ou algo tão comum como lavar os pés sujos das pessoas. Tudo o que Deus pede de nós, não importa quão pequeno ou ordinário seja, é que aprendamos a Lhe dar com fé. Se nós não lhe damos nada, então Ele não tem nada de nós para usar, mas se lhe dermos algo, mesmo "pequeno", como os pés, ele pode fazer coisas grandiosas com isso.

• Venha desejar e aceitar essa realidade: Saibam que quando Deus intervém em sua vida, ele está demonstrando Seu grande amor por você e todos nós. Mesmo que os discípulos estivessem parecendo pouco com Cristo, pois queriam saber quem seria o maior entre eles, lembre-se das palavras introdutórias de João nesse relato: "Como havia amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim" (João 13:1).

• Esteja ciente de que há muitíssimas oportunidades em nossas vidas diárias para se lavar o nosso orgulho e, figurativamente, para lavar os pés dos outros—em casa, na escola, no trabalho, na igreja e em nossa comunidade. O nosso papel é o de duplicar a natureza ativa de Cristo ao assumir o papel de servo. Pode ser mais fácil para servir humildemente aos estranhos do que àqueles que conhecemos e, especialmente, aqueles que sabemos que nos ofenderam.

O mais importante é lembrar-se das palavras de Jesus conforme nós escolhemos atender ao Seu chamado "Segue-me" e abraçar voluntariamente Seu papel de um servo amoroso. "Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem." BN