Abrir Espaço Para A Natureza Divina
No Teatro do Pacífico da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos empreenderam uma campanha sistemática de conquistar uma faixa de ilhas que conduziriam, eventualmente, à entrada do Japão, seu objetivo final. Ilha por ilha, a Marinha foi rompendo as defesas japonesas com bombardeios contínuos. Então, os fuzileiros navais (meu pai foi um deles) eram enviados para estabelecer uma base na praia. Após estar assegurada a área, eles transmitiam a mensagem de missão cumprida aos navios.
Mas, na verdade, a conquista era apenas em sentido limitado. Pois, a maior parte da ilha ainda era controlada pelos japoneses! Levaria tempo até que toda a ilha estivesse segura e sob seu controle. E isso não dizia respeito a toda a operação porque havia muito mais ilhas a conquistar. Assim, o desembarque apenas fazia parte de uma articulação daquela jornada rumo à vitória.
Nesse episódio histórico há um relevante paralelo com o chamado de Deus a nós. Como pessoas de fé, às vezes, podemos atuar sob duas falsas noções, que podem impedir a realização do desejo de Deus em nós. A primeira noção falsa é que, depois de nos arrependermos de nossos pecados, aceitarmos a Jesus Cristo como nosso Salvador e sermos batizados, nossos maiores desafios ficaram para trás. Afinal, como os fuzileiros, chegamos à praia—missão cumprida!
A segunda noção falsa surge quando a neblina da guerra espiritual nos envolve enquanto estamos presos no fogo cruzado da vida, projetando em nosso interior mensagens desfocadas de que estamos sozinhos e por isso não conseguiremos lutar “o bom combate da fé” (1 Timóteo 6:12, ARA).
Ambos os equívocos são claramente minados pelas inequívocas declarações bíblicas, que nos fazem entender e ficar grato por Deus, praticamente, fazer tudo sozinho, pois nossa responsabilidade é a de agradecer, de coração, a Sua intervenção em nossas vidas enquanto nos esforçamos para viver pelo Seu chamado de seguir a Cristo.
Um chamado ao despertar espiritual
Em meu artigo anterior desta secção “Segue-Me”, na edição novembro-dezembro 2016 desta revista, eu expliquei que o Espírito Santo não é apenas uma ferramenta espiritual ou chave que usamos apenas quando precisamos, mas é a presença permanente de Deus e de Cristo dentro de nós, a qual permitiu a Paulo dizer que Cristo vivia através dele (Gálatas 2:20).
A verdade é que Deus escolheu trabalhar “de dentro para fora”, que é exatamente o oposto de como atua a humanidade. Vejamos o caso de Adão e Eva, que buscaram de fora algo para colocá-los em pé de igualdade com Deus—quando Deus pretendia que isso fosse feito de uma maneira completamente diferente para que eles pudessem ser transformados em Sua própria semelhança espiritual.
Esta é uma questão fundamental a se ponderar: Se Cristo habita em nós, e recebemos a salvação pela graça de Deus e não por nosso próprio mérito ou esforço humano, então o que nos resta fazer?
Devemos apenas nos sentar e, por assim dizer, “deixar o motorista dirigir”? Ou fomos chamados a uma parceria ativa e dinâmica com Deus para avançarmos de Seu ponto inicial em nossas vidas até algo muito maior, ou seja, até que Seu Espírito preencha amorosamente cada elemento de nossa existência? Paulo alude a esse processo ao escrever sobre sua visão de futuro, até ao tempo em que “Cristo seja formado em vocês” (Gálatas 4:19, NVI).
O que ainda nos detém?
Não há dúvida acerca do desejo de Deus. Não há dúvida de que Ele e Cristo habitam, literalmente, naqueles que aceitaram o Seu chamado e receberam o Espírito Santo (ver João 14:23). A única questão é: Que parte de nossas vidas ainda está nos impedindo de nos entregar total e voluntariamente a Deus?
Sim, aquela parte que ainda não foi totalmente ocupada pelo Seu Espírito, como nosso matrimónio, a educação dos filhos, o desafio de lidar com certos colegas de trabalho, vizinhos e membros da igreja, o álcool, o jogo, as responsabilidades financeiras e qualquer outro elemento pessoal de nossa decisão que tenhamos deixado de fora dos limites da poderosa salvação de Deus.
Vamos ser realistas: A maioria de nós tem cômodos em casa, que eu chamo de “quarto do despejo”. Esse local não se encontra na planta de sua casa, mas todos nós sabemos que existe, não é? Pois, é aí que colocamos todos os montes de coisas que não tivemos tempo de resolver o que fazer ou não sabemos o que fazer ou não queremos lidar com isso—por isso jogamos ali.
Alguns desses montes de coisas ficam em caixas. Outros montes de coisas ficam espalhadas pelo chão. Algumas coisas mais complicadas ficam entulhadas nos armários desse quarto do despejo. E deixamos essa porta trancada quando recebemos visitas importantes para demonstrar que temos uma vida bem organizada—mas sabemos bem que temos assuntos inacabados.
Esse cenário é um paralelo com nossa vida. Há quartos dos despejos espirituais com montes de coisas que precisamos abrir para Deus, permitindo que Ele entre cooperando com Sua obra para nosso próprio bem.
Deus já sabe sobre seus montes de coisas espirituais. Ele está apenas esperando o convite para continuar aumentando Sua obra em você—não por coação, mas de acordo com seu desejo sincero.
Paulo não é o único escritor do Novo Testamento que fala que Deus habita em nós. O apóstolo Pedro ecoa a expressão de Paulo e nos desperta para a realidade de que devemos ser “participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4).
Aqui estava uma pessoa a quem Jesus ofereceu o convite para segui-Lo do início do discipulado (Mateus 4:19) até sua última conversa registrada (João 21:19). Esse é, essencialmente, o mesmo convite e a mesma admoestação que Cristo faz a cada um de nós, enquanto avançamos para Sua base em nossa vida e começamos a permitir que Ele ocupe cada parte de nosso ser.
Então, como abrimos espaço para a natureza divina?
Permitir que Deus faça a Sua Obra
Pedro nos fornece o plano, começando por se descrever não apenas como um apóstolo, mas também como um escravo de Cristo.
Podemos facilmente nos concentrar no incrível apelo apostólico de pregar o evangelho e rapidamente nos esquecer dessa outra participação pessoal de escravidão. Algumas versões bíblicas portuguesas traduzem a palavra grega original doulos como “servo”. Mas seu significado é mais do que isso. Ela significa escravo.
Um escravo era um indivíduo que comprado e pago, e sua vida não lhe pertencia. Ele tinha que satisfazer sempre os desejos de seu mestre e atender a suas ordens. Ele tinha que dedicar cada fibra de seu ser e todo seu tempo a um único propósito—obedecer fielmente às ordens de seu mestre.
Devemos ter o mesmo entendimento de Pedro, conforme foi definido, mais adiante, por Paulo, quando ele nos lembra, de maneira chocante, que fomos “comprados por preço” e agora somos “escravos da justiça” (1 Coríntios 6:20, Romanos 6:16-18, NVI).
Mas essa escravidão a um Deus bondoso traz incríveis bênçãos. Pedro refere-se a Deus como a um Mestre amoroso que com “o seu divino poder nos tem dado tudo o que diz respeito à vida e à piedade, pelo pleno conhecimento daquele que nos chamou por sua própria glória e virtude” (2 Pedro 1:3). Este conhecimento não é terreno, mas enviado do céu. E foi entregue por meio divino e não humano.
Ele não está falando de um conhecimento banal, mas de um que chegou até ele num encontro pessoal com Cristo, quando Ele perguntou: “Quem dizeis que Eu sou?” Respondeu-lhe Simão Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. E, disse-lhe Jesus: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelou, mas Meu Pai, que está nos céus” (Mateus 16:15-17).
Compreender quem é Deus e o que Ele fez e está fazendo em nós, através de Cristo, é uma revelação. Para ser mais claro e franco: É um milagre e um presente. Nós não podemos alcançar isso por nós mesmos. Não podemos comprá-lo. Não podemos ganhá-lo por mérito humano. Isso vem de Deus, através de Seu Espírito e de Sua Palavra.
Por isso, devemos ceder e cooperar, estimando grandemente a obra de Deus em nossas vidas. Devemos mostrar a Deus que compreendemos o que Ele fez através de Cristo, que realmente “captamos”, e então corresponder de forma obediente e amorosa, permitindo que Seu Espírito ocupe todas as facetas de nossas vidas—novamente, não por repressão ou coação, mas de acordo com nossa sincera vontade.
Será que é um pouco assustador abrir mão e permitir que Deus entre nesses espaços fechados de nossas vidas? Sem dúvida, é! Mas é aí que entra a fé viva, com o Espírito de Deus Pai e de Jesus Cristo habitando pessoalmente em nós. O evangelho sempre esteve destinado a ser um meio para ter-se um encontro pessoal com Deus e não meramente um manual para ter sucesso na vida.
Digno de nota é a reflexão de Paulo sobre seu chamado, ele declarou: “Por esta razão sofro também estas coisas, mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” (2 Timóteo 1:12). Observe que a ênfase não estava no que Paulo conhecia, mas em quem ele conhecia!
Como soldados espirituais de Jesus Cristo (2 Timóteo 2:3), não estamos sozinhos nessa praia, e não temos que sucumbir na neblina dessa guerra. O próximo artigo desta secção “Segue-Me” será dedicado a abertura de alguns desses cômodos de nossas vidas, que atualmente estão fechados—um por um—à medida que refletimos mais nas ideias de Pedro sobre como abrir espaço para a natureza divina. BN