Comentário Bíblico
Êxodo 1-2
Introdução a Êxodo
“O livro de Êxodo é o registro do nascimento de Israel como nação”. O título hebraico We’elleh Shemoth, ‘E Estes São os Nomes’, vem da primeira frase de seu primeiro capítulo. Êxodo começa com a conjunção 'E' para mostrá-lo como uma continuação de Gênesis. O título grego é Êxodo, palavra que significa saída, partida ou egressão. A Septuaginta [tradução grega do Antigo Testamento] usa essa palavra para descrever o livro por seu evento-chave [ver Êxodo 19:1, ‘Saída’]” (nota introdutória de Êxodo na Bíblia The New Open Bible). Apesar de ser uma nação de escravos, Israel sairia vitoriosa do Egito para encontrar Seu Deus no deserto.
O livro de Êxodo é o segundo dos cinco livros escritos por Moisés (ver Êxodo 17:14). Jesus Cristo confirmou a autoria de Moisés (comparar Êxodo 3:6; Marcos 12:26). Deus chama e envia Moisés para liderar o povo. Obviamente, o poder de libertar os israelitas não é de Moisés. Na verdade, aquele foi o poder do divino Rei do universo. Durante todo o processo, as debilidades do ser humano estão bem evidentes — desde a resistência inicial de Moisés à vontade de Deus até a teimosa e dureza de coração do Faraó e a incessante reclamação, murmuração e rebelião dos israelitas.
Entretanto, Deus mostra-se sempre fiel. Ele libertaria Seu povo. E tudo isso serve como precursor de uma futura libertação que Deus trará ao enviar Jesus Cristo — primeiro para morrer como o verdadeiro cordeiro pascal (representado aqui em Êxodo) e depois retornando como Salvador imortal — para destruir Seu inimigos e glorificar todos os que escolherem servi-Lo e viverem de acordo com Sua lei, que é explicada antecipadamente nesse livro de Êxodo.
Arqueólogos e estudiosos bíblicos têm discutido se realmente Israel esteve no Egito e se aconteceu mesmo esse êxodo. Os “minimalistas” bíblicos contestam a historicidade desses eventos, porque não há evidências disso fora da Bíblia. No entanto, muitos estudiosos ilustres defendem a veracidade do relato bíblico. “‘A ausência de evidência’, observa o egiptólogo Kenneth Kitchen, ‘não é evidência de ausência’. Nahum Sarna, professor emérito de estudos bíblicos da Universidade Brandeis dos Estados Unidos, argumenta que a história do êxodo — que traça a origem de uma nação, incluindo sua escravidão e opressão — “não pode ser fictícia, pois nenhuma nação poderia inventar e transmitir fielmente, através dos séculos e milênios, uma tradição inglória e inconveniente dessa natureza”, a menos que tivesse um núcleo autêntico. “Se alguém está inventando sua própria história”, acrescenta Richard Elliott Friedman, professor da Universidade da Califórnia em San Diego, certamente contaria “que descende dos deuses ou dos reis e não de escravos”.
“Na verdade, essa ausência de evidências materiais de os israelitas terem habitado no Egito não é tão surpreendente ou tão prejudicial à credibilidade da Bíblia como pode parecer à primeira vista. Afinal de contas, que tipo de evidência material se esperaria encontrar para corroborar a história bíblica? ‘Escravos, servos e nômades deixaram poucos vestígios no registro arqueológico’, observa o [renomado arqueólogo] William Dever. E como geralmente os registros e as inscrições oficiais no antigo Oriente Próximo eram escritos para impressionar aos eventuais deuses e inimigos, seria uma grande surpresa encontrar um relato da destruição do exército de faraó imortalizado nas paredes de um templo egípcio” (Is The Bible True? [A Bíblia é Verdadeira? [em tradução livre], Jeffery L. Sheler, 1999, p. 78).
Embora escravizado, o povo de Israel se tornou uma nação
Nesse livro temos um relato dos filhos de Israel, curiosamente não por ordem de idade, mas citados de acordo com suas respectivas mães. Os primeiros citados são os filhos de Lia, depois os filhos da serva de Lia (Zilpa), o filho de Raquel, Benjamim (José já estava no Egito), depois os filhos da serva de Raquel (Bila). O relato afirma que “setenta pessoas” da família de Jacó haviam chegado ao Egito (versículo 5), assim como declarado em Gênesis 46:27. Contudo, algumas pessoas veem aqui um conflito com a declaração de Estêvão em Atos 7:14: “E José mandou chamar a Jacó, seu pai, e a toda sua parentela, que era de setenta e cinco almas”. Lembrando que Cristo declarou que “a Escritura não pode ser anulada” (João 10:35).
E, de fato, uma explicação simples se encontra no livro de John W. Haley, Alleged Discrepancies of the Bible (Supostas Contradições da Bíblia, em tradução livre): “Os filhos, netos e bisnetos de Jacó somavam sessenta e seis [Gênesis 46:8-26] pessoas. E acrescentando Jacó e José com seus dois filhos, chegamos a setenta pessoas. Se adicionarmos a essas sessenta e seis pessoas as nove esposas dos filhos de Jacó (As esposas de Judá e Simeão já tinham falecido. José, a esposa e seus filhos não vieram ao Egito nessa migração. E Jacó é citado separadamente por Estêvão), temos setenta e cinco pessoas, como dito em Atos” (p. 389).
Mas os israelitas não continuariam sendo um pequeno número de pessoas por muito tempo. Pois, na aliança que fez com Abraão, Deus havia prometido que seus descendentes seriam tão numerosos quanto as estrelas do céu e como a areia da praia do mar (Gênesis 22:17-18). Deus reiterou essa promessa a Isaque (Gênesis 26:4) e a Jacó (Gênesis 28:14), que foi renomeado para Israel (Gênesis 32:28). Agora vemos no livro de Êxodo o início do cumprimento dessa promessa, enfatizada pelo uso de cinco diferentes descrições: “frutificaram”; “aumentaram muito”; “multiplicaram-se”; “foram fortalecidos grandemente”; “a terra se encheu deles”. Parece que Deus inspirou Moisés a deixar claro que Ele estava começando a cumprir as promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó. É muito fácil esquecer-se da Palavra de Deus, especialmente quando passamos por momentos difíceis, mas isso mostra que Ele é fiel às Suas promessas.
Agora lemos que vários anos se passaram desde que José e sua família (incluindo seus irmãos com suas respectivas famílias) morreram. Então, chega ao poder um novo faraó que não conheceu José, mas talvez se lembre ou reconheça os atos e a posição que ele ocupou outrora. Hoje em dia, quase ninguém se lembra mais dos seus ex-governantes, pois as pessoas logo se esquecem dos importantes cargos que eles ocupavam. Porém, essa tendência era muito pior no Egito porque não havia livros, jornais ou noticiários televisivos. E, geralmente, um novo faraó apagava as evidências de triunfos do anterior para se engrandecer aos olhos do povo.
E agora esse novo faraó considera os israelitas uma ameaça por causa de sua enorme e crescente população. Assim, os egípcios elaboram um plano para subjugar completamente os israelitas através da escravidão. Tudo isso estava de acordo com o plano que Deus havia revelado a Abraão (Gênesis 15:13-14). A tentativa do faraó de usar os capatazes para desalentar os israelitas, adoecê-los por meio de longas e penosas horas de trabalho e desencorajá-los a ter filhos, que já nasceriam escravos, não estava funcionando. Então, foi proclamado um decreto para matar as crianças israelitas do sexo masculino, restringindo assim o crescimento populacional. Aqui é interessante notar a intervenção de Deus, pois as parteiras não foram punidas por desobedecer à ordem do Faraó.
Na verdade, pelo respeito que Lhe foi demonstrado, Deus abençoou as parteiras! Por sua vez, faraó ordenou a todos os egípcios que assassinassem os meninos hebreus. Embora muitos tenham sido mortos, é improvável que o decreto tenha durado muito tempo, pois podemos ver que, quando Moisés retornou para tirar Israel do Egito, provavelmente já com uns oitenta anos de idade, haviam aproximadamente seiscentos mil homens adultos israelitas.
O nome de Moisés
Encontramos aqui uma tentativa de uma família levita de salvar seu filho durante o tempo do decreto de Faraó. É interessante notar que Jesus — o último Libertador de quem Moisés foi um precursor — também teve que se esconder no Egito quando nasceu, pois um decreto semelhante foi emitido durante Sua infância.
Também é maravilhoso ver como Deus interveio nessa situação desesperadora. O cesto de Moisés flutuou direto para o local de banho da filha de Faraó, que resolveu salvá-lo e criá-lo como seu próprio filho. Embora tenha reconhecido que se tratava de uma criança hebreia, é possível que ela tenha visto aquilo como um presente dos deuses, talvez de Quenúbis, o deus do Nilo. Além disso, não apenas a vida de Moisés foi poupada, mas sua verdadeira mãe foi paga para cuidar dele e criá-lo! O nome que a princesa lhe deu, Moisés, significa “retirado”, como no nascimento.
Curiosamente, esse era um sufixo comum nos nomes de vários faraós dos períodos do Império Médio e Novo do Egito. Por exemplo, Tutmés ou Tutmósis é Thoutmosis, que significa “Gerado (ou nascido) de Thot”, o deus da sabedoria. Outro exemplo é Ramsés ou Ramessés, que significa “Gerado (ou nascido) de Ra” ou Ré, o deus do sol. Assim, há motivos para acreditar que o nome de Moisés poderia ter tido um prefixo pagão que ele, compreensivelmente, não registrou quando escreveu o Pentateuco.
E como a filha do faraó reconheceu que Moisés era uma criança hebreia, seria muito surpreendente o próprio faraó não reconhecer esse fato. Contudo, o faraó não mandou matar a criança (talvez pelo amor a sua filha e pela crença de que aquela criança poderia ser um presente divino). Assim, ele permitiu que o menino se tornasse um príncipe egípcio. Em Atos 7:22, Estêvão nos diz que, além de toda a pompa da realeza, “Moisés foi instruído em toda a ciência dos egípcios e era poderoso em suas palavras e obras”. E de fato, pois Josefo, historiador judeu do primeiro século, nos informa que ele se tornou um grande general egípcio. Mas tudo isso mudou da noite para o dia quando Moisés se tornou um fugitivo.
Atos 7:23-29 nos diz que Moisés tinha quarenta anos quando fugiu do Egito para salvar sua vida. O versículo 30 revela que ele peregrinou pela terra de Midiã por mais quarenta anos. Mais tarde, ele vagaria pelo deserto com os israelitas por mais quarenta anos (versículo 36) — morrendo aos 120 anos de idade (Deuteronômio 34:7). Assim, Moisés teve três períodos de quarenta anos de treinamento de liderança: 1) treinamento como líder na corte de Faraó; 2) treinamento como pastor em Midiã; 3) treinamento como líder dos israelitas. A partir disso, podemos deduzir que um período de aproximadamente oitenta anos, ou dois terços da vida de Moisés, se passa no segundo capítulo de Êxodo!
Moisés foi treinado por quarenta anos sob a direção de Reuel, o “sacerdote” de Midiã. Esse termo faz sentido quando entendemos que os midianitas eram descendentes de Abraão (Gênesis 25:1-4) e que, até mesmo em Israel, o chefe de cada família era quem oferecia sacrifícios antes da instituição do sistema levítico. Moisés casou-se com Zípora, filha de Reuel. Aqui é preciso notar que Reuel também era conhecido como Jetro — pois ambos os nomes se referem nas Escrituras ao sogro de Moisés (Êxodo 2:18; Êxodo 3:1; Números 10:29). O escritor John Haley diz que, segundo vários estudiosos, “Jether, ou Jetro, não é um nome próprio, mas simplesmente um título de honra, denotando 'excelência' e quase equivalente ao título árabe ‘Imã’” (Alleged Discrepancies of the Bible [Supostas Contradições da Bíblia, em tradução livre, pp. 354-344).