Comentário Bíblico
Gênesis 16
A espera pelo filho prometido foi longa e difícil. Abrão ansiava pelo cumprimento da promessa e podemos ver que seus pensamentos estavam bem fixados nela. Mas para Sarai a espera parece ter sido ainda mais difícil. Ela, como a maioria das mulheres, queria ter seu próprio filho, e o estigma social da esterilidade somente aumentava sua tristeza. E nessa situação, Abrão e Sarai cometeram um erro trágico pelo qual estamos pagando o preço até hoje.
Sem dúvida, Sarai ansiava pelo cumprimento da promessa, assim como Abrão. Mas sem nenhum cumprimento à vista, Sarai começou a considerar outras opções. Talvez ela tenha arrazoado assim: Será que Hagar pode ter filhos? Será mesmo que Deus prometeu um filho a Abrão somente através de mim? Talvez esse filho prometido possa vir de Agar. Além disso, se não for a vontade de Deus, Ele simplesmente pode tornar Agar estéril, não é mesmo? E assim é o raciocínio humano. A impaciência gerou a “solução” para o problema: Abrão deveria gerar filhos com Agar. E o fato de Abrão não ter oferecido resistência à ideia parece sugerir que ele também achou esse raciocínio convincente.
Hoje em dia, isso pode parecer uma maneira muito estranha de tentar resolver esse tipo de problema. Contudo, há mais coisas a se considerar aqui — um fator cultural que apoiava essa decisão de Abrão e Sarai. Dr. Eugene Merrill explica em seu livro História de Israel no Antigo Testamento: “Algumas atitudes características de Abrão e sua mulher em Gênesis 15 e 16 requerem um pouco mais de nossa atenção, em relação a alguns hábitos e leis do antigo Oriente Médio, especialmente algumas práticas hurianas que estão registradas nas tabuinhas de Nuzi [documentos do norte da Mesopotâmia da era patriarcal]... Outro caso interessante refere-se à esterilidade de Sara e às providências que ela mesma tomou para garantir sua descendência mesmo em face dessas circunstâncias (Gênesis 16:1-6). Ela simplesmente ofereceu sua escrava particular chamada Agar para Abrão como uma espécie de mãe de aluguel, mas o filho dessa união, Ismael, seria considerado como o filho de Abrão e Sara. Esse costume também é encontrado nos documentos de Nuzi, que descrevem a mesma estratégia em situações semelhantes” (1987, pp. 38-39).
Entretanto, apesar do precedente cultural, estava claro que Ismael não era filho de Sarai — nem aos olhos dela nem aos olhos de Deus — e, por conta disso, começaram os problemas e as mágoas dentro da família. Além disso, Ismael acabaria tornando-se o pai de muitos povos árabes, e ainda hoje convivemos com os trágicos resultados dessa “solução” de Sarai — ou seja, as principais facetas do eterno conflito no Oriente Médio.
A lição disso tudo é bem óbvia. O que teria acontecido se Sarai e Abrão tivessem simplesmente esperado a solução de Deus? Talvez esses antigos e ininterruptos conflitos teriam sido evitados. O atual cenário geopolítico poderia ser muito diferente e talvez haveria menos ameaça de guerra nessa região. Precisamos aprender a viver com o que Deus nos entrega, confiando que Ele cumprirá qualquer promessa feita na hora certa e da maneira certa. O homem não pode cumprir por conta própria as promessas de Deus. A tentativa de fazer isso denota uma atitude de arrogância e, inevitavelmente, resultará em fracasso. Em contrapartida, a atitude de esperar pacientemente a ação de Deus, sabendo que Ele não mente, edifica a fé e o caráter e também evita conflitos que podem durar gerações.