Comentário Bíblico: Gênesis 23

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Comentário Bíblico

Gênesis 23

Sara morreu aos cento e vinte e sete anos de idade. Ela viveu para ver seu amado filho Isaque completar trinta e sete anos de idade. E agora Abraão precisava providenciar um local para sepultar sua esposa. As transações registradas nesse capítulo são esclarecedoras por seus detalhes pitorescos e precisão cultural.

Aliás, vários estudiosos declararam que a ideia da existência dos hititas (descendentes de Hete, mencionados em Gênesis 10:15) era algo fantasioso porque arqueólogos e historiadores não haviam conseguido encontrar qualquer vestígio deles fora da Bíblia. Assim, segundo o raciocínio deles, a Bíblia também era uma ficção. Porém, descobertas arqueológicas revolucionárias provaram conclusivamente que os hititas não eram imaginários, mas que governaram um grande e poderoso império centrado na Turquia moderna, e que, por um tempo, possuíram extensas propriedades na alta Mesopotâmia, na costa leste do Mediterrâneo e até no Egito. E muitos desses dados arqueológicos sobre os hititas vieram de conjuntos inteiros de tabuinhas cuneiformes que detalhavam transações comerciais. Curiosamente, essas tabuinhas mostram que os títulos de propriedade dos hititas faziam menção especial à quantidade de árvores nas propriedades, exatamente como registrado em Gênesis 23:17 — um pequeno detalhe que fornece uma confirmação surpreendente da exatidão do registro do livro de Gênesis.

As ações e diálogos registrados entre Abraão e os hititas fornecem um panorama maravilhoso do comportamento de Abraão e também das complexas regras de abordagem negocial comuns em grande parte da cultura do Oriente Médio. Abraão chama a si mesmo de estrangeiro e peregrino quando se dirige ao conselho dos filhos de Hete. A palavra traduzida como estrangeiro é ger. O termo ger é semelhante ao que chamamos de estrangeiro residente e carregava a ideia de dependência submissa do anfitrião. O fato de Abraão se caracterizar assim diante de um conselho que o conhecia como um “príncipe poderoso no meio de nós” (versículo 6, ACF) mostra não apenas sua humildade, mas também a prática cultural da auto-humilhação. E essa prática é corroborada por Abraão quando ele se curvou duas vezes diante deles.

O diálogo entre Abraão e Efrom em toda aquela negociação também preserva traços marcantes do Oriente Médio. Abraão pediu ao conselho dos filhos de Hete para interceder por ele diante de Efrom, demonstrando assim respeito e submissão condizentes ao seu status de ger. Na verdade, Efrom já estava sentado diante de Abraão, como mostra o versículo 10, mas para demonstrar respeito Abraão não se dirigiu diretamente a ele. Em seguida iniciou-se a negociação do valor.

A conversa é uma barganha, embora não pareça ser — mas essa era a maneira de fazer uma negociação parecer justa e generosa. Efrom, ostentosamente, implora a Abraão que fique com a terra sem pagamento, uma oferta que ele espera que Abraão, educadamente, recuse. Então, de acordo com a cultura da época, Abraão tinha que recusar a proposta. Porém, nota-se aqui que Abraão havia pedido apenas a caverna do campo de Efrom. A resposta de Efrom significava que se Abraão quisesse a caverna, ele teria que comprar todo o campo. Em resposta, Abraão aceita comprar o campo, mas não indica um valor — pois, se fizesse isso, ele teria violado uma etiqueta negocial ao colocar Efrom em uma posição embaraçosa em que este parecia aproveitar-se de um homem enlutado, caso o valor proposto não o agradasse. Então, Efrom responde, novamente com uma exibição exacerbada de “magnanimidade”, pedindo um preço alto pela terra, mas dando a entender que era um valor insignificante.

Naturalmente, o próximo passo de Abraão seria oferecer “generosamente” uma quantia menor, levando Efrom a baixar o valor. Assim, a pechincha continuaria até que se chegasse a um acordo satisfatório para ambos. Mas diante das circunstâncias, Abraão simplesmente aceita logo pagar o valor proposto por Efrom. Talvez ele quisesse que todos testemunhassem que sua aquisição daquela propriedade era mais do que justa. Sem dúvida, ele precisava daquela terra imediatamente — e também não queria que houvessem dúvidas sobre a compra da propriedade. Então, encerra-se as negociações e Abraão adquire a propriedade como um lugar para sepultamento. Notavelmente, diante de tudo o que Deus prometeu a Abraão, aquele foi o único pedaço de terra que a Bíblia registra como posse particular dele durante sua vida.