Cristo, Águas Profundas e Você
Algumas das passagens mais plácidas das Escrituras são as palavras bem conhecidas do Salmo 23. Aqui frases como "deitar-me faz em verdes pastos" ou "guia-me pelas veredas da justiça" nos dão a inteira confiança de estar sob os cuidados do Grande Pastor das ovelhas, Jesus Cristo.
Junte a isso às palavras serenas que diz "guia-me mansamente a águas tranquilas", e poderíamos facilmente estar pronto para demonstrar um sentimento ecoando a frase que abre este salmo: "O SENHOR é o meu pastor; nada me faltará".
Mas o que fazer quando a "águas da vida" não são assim tranquilas, mas sim revoltas ou profundas?
Lembra-se quando criança que você ficava feliz se alguém brincasse contigo na parte rasa de uma piscina? Pois, ali seus pés podiam tocar no fundo e você podia se movimentar tranquilamente em águas mais profundas pulando para cima e para baixo, mantendo-se seguro enquanto os dedos dos pés podiam sentir algo debaixo. Você podia até mesmo escapar para as bordas da piscina evitando a profundidade, ficando em segurança na sua zona de conforto.
Mas isso quando éramos crianças. E agora, como adultos, pode ser que alguns de nós estejamos experimentando um sentimento aflito de naufrágio por não podermos tocar o fundo devido às circunstâncias da vida. Talvez tenhamos sido alijados da zona de conforto que planejamos para nós mesmos. Poderíamos estar nos perguntando ou mesmo exigindo em oração, "O que aconteceu com aquelas 'águas tranquilas' de Deus?"
As águas profundas da vida servem ao propósito de Deus
Curiosamente, a Bíblia não fala apenas de "águas tranquilas", mas muitas vezes trata de águas profundas em relação à presença e propósitos de Deus. Ele está nos criando e moldando na plenitude espiritual que não se encontra em momentos superficiais e tranquilos da vida.
Quando nos encontramos em águas profundas, precisamos ser lembrados de que "o SENHOR é grande e que o nosso Deus está acima de todos os deuses. Tudo o que o SENHOR quis, ele o fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos" (Salmo 135:5-6).
Na verdade, Deus criou tanto as águas tranquilas como as profundas para servir aos Seus propósitos. É nesse ambiente proverbial de águas profundas ― que talvez você possa estar se debatendo agora, incapaz de tocar no fundo ― que os discípulos de Jesus Cristo vieram a provar algumas de Suas obras mais sensíveis e delicadas para capacitá-los a segui-Lo. Racionalmente, todos nós podemos saber disso, mas é quando nossos pés não tocam no fundo, figurativamente falando, que começamos a entrar em pânico.
Quando as zonas de conforto pessoal desaparecem
Como talvez tenha sido o caso dos discípulos originais de Jesus Cristo no Mar da Galileia. Eles tinham acabado de passar um dia inteiro vendo-O expor parábolas sobre o Seu Reino (Marcos 4:1-34). Eles não se davam conta que estavam prestes a praticar o que foi pregado. As zonas de conforto pessoais deles estavam prestes a desaparecer! Isso soa familiar?
Depois de falar, Jesus sentiu vontade de atravessar o mar. Ele sabia que a verdadeira aula estava apenas começando. Então, eles seguiram calmamente provavelmente procurando essas "águas tranquilas", sobretudo após um longo dia de serviço àqueles que escutavam o Mestre.
Mas então, como menciona o versículo 37: "E levantou-se grande temporal de vento, e subiam as ondas por cima do barco, de maneira que já se enchia de água". Começaram a ter a sensação de que todos iam naufragar! Eles não estavam apenas tirando a água do barco e jogando ao mar como também a fé deles estava sendo jogada junto!
Você já reparou que acontecem coisas na vida que você nunca planejou? E que às vezes essas coisas vêm como num turbilhão de uma só vez e que estavam totalmente fora de nossa agenda?
Alguns zombam do registro do Novo Testamento de uma tempestade tão forte ocorrida no Mar da Galileia ― um lago de treze quilômetros de extensão, oito quilômetros de largura e 150 metros de profundidade ― isto é, até que a experimente pessoalmente. O que torna aquele lago tão suscetível a tempestades é que ele está a setecentos metros abaixo do nível do mar. Assim, quando os ventos frios vêm soprando do deserto e das Colinas de Golã para o leste e são canalizados através dos desfiladeiros para o lago, se formam tempestades repentinas e impetuosas que podem criar ondas de seis metros.
Basta imaginar a rapidez e a violência de um evento como esse. E imagine que você esteja no barco!
Cala-te!
Onde Jesus estava durante essa violenta tempestade? Ele estava dormindo profundamente na parte traseira do barco (versículo 38). Ele pode ter adormecido devido ao cansaço físico de falar durante todo o dia ou talvez tenha ido dormir almejando um propósito espiritual muito mais grandioso.
Seus discípulos assustados ― os quais apenas recentemente havia atendido o chamado para segui-Lo às margens do mesmo lago ― agora desvairadamente gritam: "Mestre! Nós vamos morrer! O senhor não se importa com isso?" (BLH).
Os discípulos estavam em pânico, mesmo tendo visto este mesmo Jesus fazendo muitos milagres. Mas agora era sobre eles! As "águas tranquilas" de milagres instantâneos e ensinamentos maravilhosos foram imediatamente esquecidas.
Rapidamente Jesus despertou do seu sono e levantou-Se. Agora havia chegado um momento de ensino sem precedentes para todos aqueles que O seguem em qualquer era. Ele emitiu uma ordem súbita ao vento e ao mar que rugiam: "Cala-te, aquieta-te!".
A palavra grega usada aqui, siapao, literalmente significa "fiquem em paz". Parem de rugir! "E o vento se aquietou, e houve grande bonança" (versículo 39).
Ele, então, repreendeu a Seus discípulos, perguntando: "Por que sois tão tímidos? Ainda não tendes fé?" (Versículo 40). E logo a história é concluída no versículo 41, descrevendo como eles refletiram no que tinham testemunhado. Eles perguntavam uns aos outros: "Mas quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?".
Qual é a lição para eles e para nós?
Eles nunca suscitariam essas questões ― ou viriam a conhecer as respostas ― se sempre ficassem na água tranquila. E nós também não!
Hoje, também, encontramos grandes "tempestades" na vida que podem nos atingir e desafiar dramaticamente nossa zona de conforto ― a perda de um emprego, a perda de nossas casas ou economias poupadas, a morte de um ente querido, uma traição de um amigo, a separação de um marido ou esposa ou a triste decepção advinda de um filho rebelde. Nesses momentos, chegamos ao fundo do poço, simplesmente perdemos o chão debaixo de nossos pés e buscamos o nosso equilíbrio. É tempo de águas profundas! A vida era muito mais simples na parte rasa.
Além de tudo isso, vivemos em um mundo de aparelhos tecnológicos e centros de informação que prometem respostas imediatas ao toque de uma tecla. Você pode usar o computador o dia todo buscando no Google algo sobre a fé, mas a fé real e viva, no final das contas, é encontrada em um local completamente diferente.
Aquieta-te!
Quando se trata de responder ao apelo de seguir a Cristo, um dos passos mais humanamente ousados em nossa caminhada com Ele é simplesmente parar, ficar quieto, ouvir e ter fé no que Deus está dizendo ao invés de ouvir o que nossos trêmulos corações estão clamando.
A Israel do passado aprendeu isso quando se deparou contra as águas profundas do Mar Vermelho. Ali, o poder armado do império egípcio estava prestes a arremeter-se contra os israelitas tanto quanto os ventos da Galileia impactaram os discípulos.
E esta foi a confiança que Moisés passou àquele povo aterrorizado: "Não temais; estai quietos e vede o livramento do SENHOR, que hoje vos fará; porque aos egípcios, que hoje vistes, nunca mais vereis para sempre. O SENHOR pelejará por vós, e vos calareis" (Êxodo 14:13-14).
Deus, então, disse-lhes para marchar em frente rumo ao mar onde ele milagrosamente providenciou um caminho seco e as águas se tornaram como um muro em cada lado. Sem dúvida, eles, como os discípulos de quinze séculos depois, estavam preocupados com afogamento e por isso eles aprenderam uma importante lição sobre a fé.
Para ser franco, exercer esse tipo de fé é uma das coisas mais difíceis de conseguir e mostrar para um cristão que obedece a ordem de marchar!
Considere isto por um instante enquanto voltamos ao barco com Cristo e os discípulos. Jesus não teve dificuldade em dominar os elementos da tempestade. Afinal de contas, Ele é o Senhor da criação e poderia fazer isso num estalar de dedos. Mas ao invés de sempre abrandar instantaneamente as tempestades da vida, Deus nos diz para ter calma, ordenando: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus" (Salmo 46:10).
O foco de Deus não está no treinamento de como dominar o vento e o mar. É muito mais do que isso, o Grande Pastor das ovelhas quer que Sua criação final, você e eu, voluntariamente entregue seu passado, presente e futuro a Ele ― não por um estalar de Seus dedos, mas através da entrega de nossas preconcebidas zonas de conforto.
A partir daí então é que Ele pode fazer com que a distância entre o que sabemos e aprendemos sobre Ele, quando não podemos alcançar o fundo com os nossos pés.
Paz na tempestade
Onde quer que Jesus tenha passado no decorrer de Seu ministério terreno, seja na estrada, dentro de outro barco no Mar da Galileia ou recebendo as multidões em um campo aberto, eu acredito que Ele cumprimentava todos e cada um que encontrava com a saudação comum de Seu povo ― Shalom, que significa "paz". Ele mesmo disse aos Seus discípulos para dizer isso quando entrasse nas casas das pessoas (Lucas 10:5).
Mas quando as pessoas do Seu tempo proferiam estas palavras, não era simplesmente um "Olá", mas uma bênção e o reconhecimento dos propósitos de Deus para além daquele momento. A palavra Shalom não transmite uma ideia de uma vida sem conflitos e problemas, mas de uma vida que envolve um Deus que nos oferece e nos dará o que necessitemos para passar por esses períodos de tempestades em nossas vidas.
Jesus era mais do que familiarizado com o Salmo 23. Ele não apenas sabia suas frases iniciais como também se lembrava do que vinha a seguir: "inda que eu andasse pelo vale da sombra da morte [aqueles momentos de águas profundas em que nossos pés não alcançam o fundo], não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam" (versículo 4).
Quando um pastor guiava seu rebanho ao pasto através dos montes por ravinas fendidas e perigosas, ele estava no seu melhor momento conduzindo gentilmente as suas ovelhas, mesmo correndo o risco de pisar em falso. O Grande Pastor das ovelhas, guia pessoal de sua vida, poderia ser menos que isso?
A peregrinação cristã ao ouvir o chamado, "Segue-Me", nunca foi concebida para ser isenta de tempestades, mas foi planejada para transformar as tempestades de dúvida em nossos corações. Alguém já havia dito que toda a água do mundo não pode afundar o menor dos barcos, a não ser que ela entre nele. Isso pode acontecer através de um buraco. E a dúvida é um buraco. É por isso que os Evangelhos registram essa história a respeito de Jesus Cristo, de águas profundas e você.
Nós também temos um passageiro a bordo do barco de nossa vida ― o mesmo Grande Pastor que declara: "As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem" (João 10:27). E Ele nos diz aos que o seguem: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus!" BN