O Ladrão na Cruz

O Ladrão na Cruz

A colocação da vírgula depois de “digo” e antes de “hoje” certamente parece indicar isso. No entanto, observe como um significado completamente diferente é transmitido se a vírgula é colocada depois de “hoje” e não antes: “Em verdade, eu te digo hoje, estarás comigo no Paraíso.”

Os textos originais da Bíblia não usam pontuação

Primeiro, precisamos entender que os textos originais da Bíblia (do grego para o Novo Testamento e hebraico e aramaico para o Antigo Testamento) não usam nenhuma pontuação.

Como o Dr. E.W. Bullinger explica no apêndice A Bíblia Companheira [The Companion Bible]: “Nenhuma de nossas marcas modernas de pontuação aparecem [nos textos bíblicos] até o século IX . . . A pontuação de todas as edições modernas do texto grego, e de todas as versões feitas a partir dele, repousa inteiramente na autoridade humana, e não tem qualquer peso para determinar ou até mesmo influenciar a interpretação de uma única passagem” (1990, Anexo 94, p. 136, grifos do autor).

Na maioria dos casos, os tradutores e os editores da Bíblia têm feito um trabalho admirável usando a pontuação para esclarecer o sentido das Escrituras. Mas este é um caso em que o seu viés doutrinário tem, lamentavelmente, obscurecido o significado das palavras de Cristo. Ao colocar uma vírgula antes do “hoje” na declaração de Cristo ao moribundo, em vez de depois, eles têm feito Jesus dizer algo que Ele nunca teve a intenção.

Sabemos disso porque a Bíblia diz claramente que o próprio Jesus não foi para o paraíso ou o céu no dia em que morreu! Em vez disso, Ele morreu e foi colocado na sepultura. Observe a declaração do apóstolo Paulo em 1 Coríntios 15:3-4: “Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”.

Observe o que Cristo disse a Maria logo depois de ter sido ressuscitado: “Não me detenhas, porque ainda não subi para Meu Pai” (João 20:17). Um total de três dias depois de Sua morte, o próprio Jesus disse claramente que ainda não havia subido ao céu.

De maneira clara, Jesus já havia dito que estaria no túmulo por três dias e três noites (Mateus 12:40). As Escrituras não dizem que Seu corpo ficou enterrado enquanto Sua alma foi para outro lugar. Jesus morreu e foi sepultado. Ele apenas foi para o túmulo. Portanto, ao morrer, o criminoso não poderia ter ido com Jesus para o céu naquele dia, porque o próprio Jesus não foi para lá nessa ocasião.

Se Jesus não estava dizendo àquele homem que ele estaria no céu ou no paraíso naquele dia, então o que Ele estava lhe dizendo?

O Reino Futuro e paraíso na Terra

Um princípio fundamental para o correto estudo da Bíblia é verificar cuidadosamente o contexto. Observe o texto específico do pedido do homem: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres no Teu reino” (Lucas 23:42, ARA). Observe que o ladrão não expressou nenhuma expectativa de imediatamente ir para o céu com Jesus no momento em que morresse.

É possível que ele já soubesse algo sobre a natureza do Reino de Deus—que seria um reino literal a ser estabelecido na Terra, pelo Messias, que muitos judeus daquela época compreendiam. O próprio Jesus tinha dado anteriormente uma parábola inteira sobre isso porque “o povo pensava que o Reino de Deus ia se manifestar de imediato” (Lucas 19:11, NVI). Jesus também ensinou a Seus discípulos a orarem assim: “Venha o teu reino” (Lucas 11:2). Este Reino, como explicado em nosso livro gratuito O Evangelho do Reino de Deus, é o Reino que Jesus vai estabelecer na Terra quando voltar e não um lugar no céu para irmos quando morremos.

Observe também a resposta de Jesus ao homem, ao dizer:  “. . . estarás comigo no Paraíso”. Compreender a natureza do uso bíblico da palavra paraíso é crucial para entender essa passagem.

Aqui, a palavra grega traduzida como “paraíso”, paradeisos, significa um jardim fechado ou parque. Na Septuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento, que era de uso comum na época de Cristo, esta mesma palavra foi usada em referência ao Jardim do Éden. Além de sua ocorrência em Lucas 23, a palavra é usada apenas duas outras vezes no Novo Testamento. Em ambos os casos, refere-se ao lugar da presença de Deus.

Em 2 Coríntios 12:2-4, Paulo descreve uma visão na qual ele “foi arrebatado ao paraíso”. Paulo diz que este paraíso estava no “terceiro céu”—a morada de Deus.

Jesus nos diz que “a árvore da vida” está localizada “no meio do paraíso de Deus” (Apocalipse 2:7). A passagem de Apocalipse 22:2 explica que a árvore da vida estaria na Nova Jerusalém. Deus virá do céu com esta nova Jerusalém (Apocalipse 21:2-3), após as ressurreições dos mortos, que se menciona em Apocalipse 20. Somente nesse momento é que os homens habitarão com Deus neste paraíso.

Além disso, a restauração da terra de Israel, que se realizará sob o futuro reinado de Cristo, é comparada, em Isaías 51:3, ao Jardim do Éden—novamente, paradeisos na Septuaginta.

Juntando todas estas escrituras, podemos ver que o paraíso mencionado por Cristo, onde os homens vão habitar com Deus em Seu Reino, será trazido em um tempo futuro.

Como sabemos que isso era o que Cristo queria dizer? Uma vez mais, como mencionado acima, Jesus disse claramente que estaria morto e sepultado pelos próximos três dias e três noites, e depois Ele disse abertamente a Maria que ainda não tinha subido ao céu.

Alguns teólogos e denominações religiosas tentam redefinir o uso do paraíso de Cristo ao dizer que este se referia ao local onde os mortos justos foram antes de Jesus—uma espécie de “lugar de espera” temporária, perto do inferno porque o céu ainda não estava disponível para eles, até que Cristo subisse ao céu, depois de Sua morte, e abrisse o caminho para que eles O seguissem.

Este conceito, no entanto, é semelhante à mitologia grega pagã sobre a vida após a morte (chamado Campos Elísios, o setor do submundo grego para as pessoas boas) e não algo ensinado na Bíblia. A ideia de que os mortos justos da época do Antigo Testamento tenham ido para um lugar chamado “paraíso” e depois subido ao céu, após Jesus ter sido ressuscitado, é refutada pelas explícitas declarações do apóstolo Pedro em Atos 2:29 e 34—quase dois meses depois da morte e ressurreição de Cristo— de que o rei Davi “morreu e foi sepultado” e que “Davi não subiu aos céus”.

Ao reunirmos as escrituras relevantes, aqui podemos ver a verdade sobre o assunto. O ladrão, diante da morte iminente, ao ser crucificado ao lado de Jesus (Lucas 23:39-41), buscou conforto e segurança. Então, Jesus disse ao homem: “Em verdade vos digo hoje, estarás Comigo no paraíso”. O “paraíso” de que Jesus falou não era o céu, mas um mundo como um Éden, para onde o homem seria ressuscitado de acordo com o plano de Deus—como explicado na parte final deste livro.

A perda do idioma hebraico na tradução

Parte de sua resposta, “Em verdade vos digo hoje”, era uma “expressão idiomática hebraica comum na época . . . que era constantemente usada para enfatizar algo muito solene” (A Bíblia Companheira [The Bible Companion], Apêndice 173, p. 192). Exemplos desta frase em hebraico, formulada de forma muito semelhante à declaração de Cristo, podem ser encontrados em Deuteronômio 30:18 (“eu te denuncio, hoje, que, certamente, perecerás”) e Atos 20:26 (“Portanto, no dia de hoje, vos protesto que estou limpo do sangue de todos”).

Muitos séculos depois, quando os sinais de pontuação que vemos em nossas versões em português foram inseridos, o significado do que Jesus disse foi distorcido pela colocação errada da vírgula, e esta figura hebraica do discurso ficou obscurecida. Várias outras traduções da Bíblia e obras de referência, entre eles a tradução de Rotherham, o Diaglotão Enfático (The Emphatic Diaglott), O Novo Testamento Concordante Literal e O Léxico Crítico e Concordância do Novo Testamento em Inglês e Grego, reconhecem o idioma hebraico e colocam corretamente a vírgula depois da palavra “hoje” para se pontuar corretamente. A Tradução Trinitariana, em português, editada em 1883, pela “Trinitarian Bible Society” de Londres, traduz a mesma passagem: “Na verdade te digo hoje, que serás comigo no Paraíso”.

Em conclusão, Jesus nunca disse nem insinuou que o ladrão na cruz iria para o paraíso ou para o céu naquele mesmo dia. Cristo estava encorajando-o lhe assegurando solenemente que viria um tempo, no futuro, no Reino de Deus na Terra, quando ele seria ressuscitado e veria a Jesus novamente.

Este acontecimento dramático só pode ser adequadamente entendido quando compreendemos o tempo do plano de salvação de Deus e as ressurreições prometidas, que estão descritas na Bíblia. Tudo isso será trado com mais detalhes no próximo capítulo deste livro.