Nossa Fé em Cristo ou Sua Fé Dentro de Nós?

Você está aqui

Nossa Fé em Cristo ou Sua Fé Dentro de Nós?

Versões da Bíblia em Português e muitas versões novas da Bíblia em inglês traduzem alguns versículos escritos pelo apóstolo Paulo dizendo que vivemos pela nossa fé EM Cristo—enquanto que as traduções literais da maioria dos textos gregos para Inglês diz que devemos ter a fé DE Cristo. [Versões Bíblicas em inglês que também traduzem dizendo que devemos ter a “fé DE Cristo” são a versão do Rei Jaime [a antiga King James Version], a Darby, a Tradução Literal de Young’s, a English Majority Text Version e o Greek New Testament according to the Majority Text.] Então, como devem ser realmente traduzidos estes versículos—e por que isso é importante?

A questão de tradução

Alguns desses casos são encontrados no segundo capítulo de Gálatas. O versículo 16 nas traduções literais em inglês da maioria dos textos gregos afirma que somos justificados—tornados justos ante Deus—por ter a “fé DE Jesus Cristo” e a “fé DE Cristo” (grifo nosso em todo o texto). E nas traduções em português se traduz essas frases como “a fé EM Jesus Cristo” e “fé EM Cristo”. Qual versão é a correta?

Para entender, vamos ter que pesquisar umas questões gramaticais e de tradução sobre o assunto. No grego original não existe realmente nenhuma preposição “de” ou “em” nas frases. Em vez disso, a questão gira em torno do caso do final do nome. Não há dúvida de que o caso genitivo ou possessivo é usado aqui no original grego. Em português se designa isto com a preposição “de”—ou seja, “a fé de Cristo”, a fé que Lhe pertence.

Mas há controvérsia sobre se o caso se destina ao genitivo subjetivo ou objetivo.

Nestas frases, Cristo é o objeto da fé? Isto é, a fé pertence a Ele, porque é direcionada a Ele (de nós)? Se sim, isso justificaria a tradução “fé EM Cristo”.

Ou, a fé pertence a Ele, porque Lhe é inerente—a fé dEle próprio? Sendo assim, isto significaria que “a fé DE Cristo” seria a tradução correta—e que, aparentemente, Sua fé é de alguma forma incutida em nós.

“Não mais eu, mas Cristo vive em mim”

Vamos analisar agora para o versículo 20 do mesmo capítulo (Gálatas 2). Como traduzido na versão original de João Ferreira de Almeida (Revista e Corrigida, assim como na Almeida Corrigida e Fiel), Paulo escreveu: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé DO Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim”. As palavras em itálico são traduzidas​ como “fé NO Filho de Deus” na versão Almeida Revista e Atualizada. A tradução literal do grego deveria de ser “a fé do Filho de Deus”—mas a questão se o caso se destina ao genitivo subjetivo ou objetivo também se aplica aqui.

Mas nesta situação o contexto nos ajuda a entender. Paulo está escrevendo de Jesus vivendo dentro e através de Paulo (pelo Espírito Santo), em vez de Paulo viver apenas sua própria vida. Assim, Paulo resume isto dizendo que ele vive pela fé envolvendo Cristo, e por isso seria ilógico para Paulo significar que era sua própria fé em Cristo. Faz muito mais sentido contextualmente que ele estava a dizer que a fé de Cristo opera dentro dele conforme Cristo vive Sua vida dentro dele. Lembremo-nos de seu ponto de vista: “ . . . não mais eu, mas Cristo . . . ”.

Devemos, portanto, compreender que nas expressões paralelas de Paulo apenas quatro versículos antes, no versículo 16, que ele também quis dizer “fé DE” Cristo. E faz sentido que a construção de frase paralelas em outros lugares deve ser vista dessa mesma maneira. Assim, Romanos 3:22 deveria dizer “fé DE Jesus Cristo”, e Filipenses 3:9 também deve ser lido como “fé DE Cristo”, como estão na maioria do textos gregos originais.

Até mesmo a tradução de Apocalipse 14:12 deve afirmar que os cristãos têm “a fé DE Jesus”, como é traduzido em muitas versões inglesas, incluindo a Nova tradução do Rei Jaime (porque “a fé” aqui é vista pelos tradutores como o sistema de crenças e não a crença em si mesma—mas ambas derivam dEle).

A fé em Cristo e a ajuda para crer

Claro, certamente precisamos ter fé EM Cristo. O próprio Paulo disse em Atos 20:21 que devemos ter “fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (paralelo a “fé em Deus” de Hebreus 6:1). O texto de Paulo se refere claramente a nossa fé dirigida a Cristo. Devemos crer em quem Ele é e o que Ele fez por nós, bem como tudo o que Ele ensina em toda a Bíblia.

É evidente que, mesmo aqui, realmente não estamos sozinhos em nossos esforços. Porque Deus nos ajuda a ter fé. Nós somos como o homem que gritou desesperadamente para Jesus: “Eu creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade” (Marcos 9:24)—e os apóstolos que Lhe imploraram: “Aumenta-nos a fé” (Lucas 17:5, ARA). Sem dúvida, Deus vai nos ajudar a ter fé, mesmo antes de sermos espiritualmente convertidos através do Espírito Santo.

No entanto, apenas a nossa própria crença em Deus e Cristo não é suficiente para nos deixar em sintonia com o caminho de Deus e, finalmente, nos levar à salvação. Devemos ter a “fé DO Filho de Deus”. Jesus nos é mostrado expressamente como “o autor e consumador da fé” (Hebreus 12:2). Portanto, a nossa fé vem obviamente dEle.

A própria fé de Jesus—ou a edificação de nossa fé?

Mas o que realmente isso significa? Será que Jesus realmente nos dá a sua própria fé—colocando Sua própria crença confiante em nossos corações e mentes? Ou será que Ele edificaria Seu nível de fé dentro de nós ao longo do tempo, num processo de desenvolvimento em que Ele fortaleceria a nossa própria fé (que é, portanto, de Sua autoria)? Devemos entender que ambos os aspectos estão em ação na vida de um verdadeiro cristão.

Alguns defendem apenas o último caso. Se um homem diz que está a ponto de alcançar a “força de Sansão”, ninguém pensaria que ele quis dizer que é a força própria de Sansão, de alguma forma seria dada a ele. Ele apenas estava falando de se tornar tão forte quanto Sansão, provavelmente ao longo do tempo. Da mesma forma, receber “a fé de Cristo” é visto por alguns como significando apenas desenvolver, ao longo do tempo, tanta fé como a que Cristo teve ou tem. E, de fato, é verdade que o nosso pensamento se transforma ao longo do tempo e passa a ser como o de Cristo—inclusive no que acreditamos.

Mas há mais do que isso. Para uma pessoa conseguir ter a “força de Sansão”, isso não seria porque Sansão viveria dentro e através dela. Com a fé de Cristo, a questão é muito diferente.

Quando uma pessoa recebe o Espírito Santo após o arrependimento com fé e batismo, Deus Pai e Jesus Cristo passam a viver sobrenaturalmente na pessoa, através da presença do Espírito Santo (João 14:23; 1 Coríntios 3:16; 1 João 3:24)—Cristo, como o agente ativo, vive através da pessoa, como vimos em Gálatas 2:20. Seus pensamentos e ações nos conduzem sobrenaturalmente à medida que nos submetemos a Ele. Assim, exibimos Seu caráter, experimentando uma medida de fé como um fruto e um dom do Espírito de Deus (Gálatas 5:22; Romanos 12:3; 1 Coríntios 12:9). Na verdade, nós experimentamos “a mente de Cristo” (1 Coríntios 2:16).

No entanto, devemos entender que, quando Deus nos dá a ajuda sobrenatural, através do Espírito, para ver como Cristo vê e agir em conformidade com Ele, não devemos ver isso como Cristo tendo e exercendo a fé por nós ou em nosso lugar. Ao contrário, Ele vive através de nós—transformando nossas mentes ao longo do tempo para que consigamos, gradualmente, pensar e viver mais e mais como Ele. Assim, há uma intervenção e capacitação sobrenatural de Cristo, mas isso é a transformação de nosso próprio ser através de um processo de conversão—um processo que requer a nossa própria cooperação no decorrer do tempo.

E deste modo, a de Cristo se torna nossa fé. Como o apóstolo João declarou: “Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1 João 5:4). Ela realmente também é nossa.

Mais uma vez, devemos certamente ter fé EM Cristo. Mas acima disso, a fé DE Cristo que está sendo estabelecida e edificada dentro de nós é a única maneira de podermos permanecer no caminho de vida de Deus ao longo de nossa vida cristã e receber a salvação eterna.