Comentário Bíblico
Deuteronômio 1
Introdução a Deuteronômio
Moisés já estava com cento e vinte anos quando dirigiu as mensagens do livro de Deuteronômio à nova geração de israelitas. O nome hebraico para o livro, Haddebharim, significa "As Palavras", derivado do primeiro versículo, que diz: "Estas são as palavras que Moisés falou a todo o Israel...". Os judeus também se referiram a esse livro como Mishneh Hattorah, “traslado desta lei” ou “cópia da lei”, termo extraído de Deuteronômio 17:18.
O livro, no entanto, não estabelece uma "segunda" lei, mas meramente repete e expande a lei que havia sido entregue de forma codificada mais de quarenta anos antes no livro de Êxodo. Na verdade, grande parte da lei de Deus antecedeu até mesmo o livro de Êxodo, pois os Dez Mandamentos, por exemplo, já estavam em vigor desde a criação de Adão e Eva (comparar Romanos 5:12-13). Além disso, as Escrituras revelam que Abraão observou os mandamentos, os estatutos e as leis de Deus (Gênesis 26:5) muito antes do nascimento de Moisés.
Portanto, algumas Bíblias, como a maioria das Bíblias alemãs protestantes, identificam esse último livro escrito por Moisés simplesmente como "O Quinto Livro de Moisés". Deve-se notar, entretanto, que seu último capítulo, o obituário de Moisés, provavelmente foi escrito por outra pessoa, sendo Josué o candidato mais provável — especialmente quando vemos terceiros se referindo a Moisés nos próprios livros deste (por exemplo, Números 12:3 ). Embora Deus pudesse ter inspirado Moisés a escrever esse último capítulo antes de sua morte, isso parece improvável.
O Tyndale Old Testament Commentary on Deuteronomy (Comentário Bíblico Tyndale do Antigo Testamento sobre Deuteronômio, em tradução livre) declara: “Deuteronômio é um dos maiores livros do Antigo Testamento. E sua influência na religião nacional e pessoal de todas as épocas não foi superada por nenhum outro livro da Bíblia. Ele é citado mais de oitenta vezes no Novo Testamento e, portanto, pertence a um pequeno grupo de quatro livros do Antigo Testamento aos quais se referiram os primeiros cristãos”. Os outros três livros são Gênesis, Salmos e Isaías. Esse comentário acrescenta: “O livro alcança até mesmo o leitor moderno como um sermão desafiador, pois tem o objetivo de direcionar a mente e a vontade dos ouvintes para uma tomada de decisão: Escolha a vida, para que você e seus descendentes possam viver (Deuteronômio 30:19)”.
A Recusa de Israel para Entrar na Terra Prometida
No segundo versículo vemos a menção a Horebe, que é outro nome para o Monte Sinai. Com exceção de Deuteronômio 33:2, esse livro usa o nome Horebe em vez de Sinai. A palavra Horebe significa literalmente "desolação", "deserto" ou "seca".
A princípio, ressalta-se que ao longo do livro Moisés está “explicando” a lei (versículo 5). Essa explicação não é baseada em sua própria vontade e ideias, mas “conforme tudo o que o SENHOR lhe mandara” (versículo 3) — lembrando que Jesus Cristo falou apenas o que o Pai lhe disse para falar (João 8:26; João 15:15). Contudo, antes de começar a reiterar a lei, Moisés analisa a oportunidade anterior que Israel teve de entrar na Terra Prometida, sua recusa e a penalidade resultante e, para reforçar sua fé, as recentes vitórias que Deus deu a eles.
Primeiro, Moisés lembra às pessoas como ele estabeleceu uma estrutura legal e administrativa dentro da nação (Deuteronômio 1:9-18) antes de Israel ser chamada a possuir a Terra Prometida (versículos 8, 19-21). Isso mostra que para uma organização ser bem-sucedida em suas relações com o mundo ela deve primeiro estar devidamente organizada e funcionando sem problemas internos. A seleção de "cabeças" (versículo 13) ou líderes tribais envolveu um processo semelhante à escolha dos primeiros diáconos da Igreja no sexto capítulo de Atos. O povo foi instruído a informar a Moisés os nomes dos candidatos dignos para ele fazer as nomeações formais ( Deuteronômio 1:9-15). Em Atos, os apóstolos designaram os diáconos depois de pedir a opinião da congregação.
Antes de entrar na terra dos amorreus, o povo pediu que antes enviassem espias àquela terra (Deuteronômio 1:22). Moisés ficou satisfeito com essa ideia (versículo 23), e Deus concordou com ela (comparar Números 13:1-2). Entretanto, exceto Josué e Calebe, os espias que retornaram desencorajaram a nação de tentar conquistar a terra (Deuteronômio 1:28). Embora tenham confirmado a palavra de Deus de que a terra era boa (versículo 25), eles exageraram dizendo que os obstáculos físicos eram intransponíveis e que Deus devia odiá-los, pois não queria realmente dar aquela terra a eles (versículo 27). Como consequência dessa incredulidade (versículo 32), apesar de todas as provas visíveis de que Deus estava com eles (versículos 25, 33), o povo se rebelou contra Deus (versículo 26) e se recusou a entrar na terra.
No Novo Testamento, o livro de Hebreus explica que os israelitas não foram autorizados a entrar na Terra Prometida — simbolismo de nosso futuro descanso no Reino de Deus — porque, embora tivessem ouvido a Palavra de Deus e visto Suas grandiosas maravilhas, eles endureceram o coração em rebelião e se recusaram a crer e obedecer a Ele (Deuteronômio 3:7-19). Assim, Deus pronunciou Sua sentença. Mais tarde, até mesmo Moisés foi incluído nessa sentença (versículos 25-26; 4:21), pois não seguiu as instruções explícitas de Deus quando atingiu a rocha em Cades (Números 20:7-13). Como líder humano e educador de Israel, Moisés estava sob um julgamento mais rigoroso de Deus (comparar Tiago 3:1) para servir de exemplo para o povo (Deuteronômio 1:37).
Depois que perceberam seu pecado e o castigo que mereciam, uma parte do povo decidiu entrar na terra em uma tentativa de conquistá-la de acordo com as primeiras instruções de Deus — mas já era tarde demais. Também para nós chegará um momento em que será tarde demais para entrar na "Terra Prometida" do Reino de Deus (comparar Mateus 25:1-13). Moisés disse aos israelitas para não invadissem Canaã, pois Deus não estaria com eles dessa vez. Mas, novamente, eles não acreditaram e se rebelaram contra a Palavra de Deus (Deuteronômio 1:42-43) – e sofreram as consequências de uma amarga derrota (versículos 44-45). Então, eles voltaram e clamaram diante de Deus (versículo 45; comparar Mateus 25:30), mas Ele não quis ouvi-los.
E a multidão de pessoas que enfim entrou na Terra Prometida (aqueles que tinham cinquenta e nove anos ou menos) primeiro teve que suportar o "grande e terrível deserto" (versículo 19, ARA). Podemos considerar isso como um tipo físico das experiências difíceis que, às vezes, os cristãos passam nesta vida antes de entrar no Reino de Deus (ver Atos 14:22).