A Rainha Serva: Setenta Anos do Reinado de Elizabeth II
Eu havia completado um ano de idade alguns dias antes da rainha Elizabeth II ascender ao trono. Em 1958, quando eu tinha sete anos, ela visitou minha cidade natal, Grimsby. Não tenho ideia do motivo de sua visita. Provavelmente, algumas daquelas pessoas da multidão sabiam o motivo. Um homem se ofereceu para me colocar em seus ombros para que eu pudesse ver melhor. Era um dia muito quente, e lembro-me de a Cruz Vermelha socorrer uma mulher que desmaiou no meio da multidão por causa do calor.
Na minha escola, costumávamos marchar em um grande salão para ir a uma assembleia todas as manhãs para uma leitura diária das Escrituras e um hino. E logo na entrada do salão, havia um belo retrato da rainha — a obra-prima de Pietro Annigoni, que ainda é uma das minhas pinturas favoritas.
Sempre marchávamos ao som de música clássica. Muitas vezes era a “música real”, que foi composta especialmente para eventos da realeza. Handel foi um compositor alemão que se estabeleceu na Inglaterra em 1712 e ganhou a cidadania britânica.
Nós não éramos servos cegamente leais à Rainha — meu pai era muito contrário à realeza — mas isso sempre esteve implícito e símbolo da nação. Lembro-me de ouvir mais tarde, em 1977, durante uma visita a São Francisco, que a vinheta dela foi a mais distribuída da história. Afinal, a imagem dela estava em todas as nossas moedas e cédulas e em todos os selos postais. Outras nações também têm a imagem da rainha em suas moedas e cédulas.
Em 1964, a Inglaterra elegeu um governo de cunho socialista. Lembro-me de dois anos depois, quando muitos pensavam que o socialismo era o caminho a seguir, uma charge em um de nossos jornais mostrava a rainha e seu marido, o príncipe Philip, de pé na sacada do Palácio de Buckingham diante de uma pequena multidão no Mall, rota cerimonial que conduz ao palácio. O príncipe Philip vira-se para a esposa e diz: “Não importa, querida, você ainda é uma popstar na Austrália”. Naquela época, 56 anos atrás, a monarquia era mais popular na Austrália do que na Inglaterra.
Hoje, aos 96 anos de idade, a rainha tem um solido índice de popularidade de mais de 70%, mais alto do que qualquer político de ambos os lados do Atlântico. Mesmo na época de mais baixa popularidade, após a morte da princesa Diana em 1997, não havia um pensamento generalizado de transformar a Inglaterra em uma república com um presidente figurativo substituindo a monarca.
Ao longo da minha vida, ela sempre esteve presente. Quando morávamos na Rodésia, todas as moedas traziam a imagem de Elizabeth II. Quando nos mudamos para Gana, o salão de reuniões que usávamos para os cultos da igreja tinha uma placa na parede informando que foi inaugurado pela rainha em 1961.
Mas o que a tornou tão popular?
A promessa da princesa Elizabeth
Acho que isso remonta em grande parte à promessa que ela fez em seu aniversário de vinte e um anos:
“Eu declaro diante de todos vocês que toda a minha vida, seja longa ou curta, será dedicada a servir a vocês e a nossa grande família imperial, à qual todos pertencemos”.
Essas palavras foram ditas pela então princesa Elizabeth. Nessa ocasião, ela e sua família estavam em uma turnê pela África do Sul e Rodésia do Sul para agradecer aos povos dali o apoio durante a Segunda Guerra Mundial. Naquela época, o pai dela, George VI, era o monarca, rei de ambos os países.
“O ápice daquela jornada de Elizabeth foi seu vigésimo primeiro aniversário em 21 de abril. A África do Sul celebrou sua maioridade com um feriado nacional, com o rito de passar a tropa em revista, um baile em sua homenagem, fogos de artifício e um colar com vinte e um diamantes entregue pelo [primeiro-ministro Jan] Smuts” (Elizabeth the Queen: The Woman Behind The Throne [Elizabeth A Rainha: A Mulher Atrás do Trono, em tradução livre], Sally Bedell Smith, edição 2012, p. 37).
“Essa fala dela, que durou seis minutos, foi transmitida da sede do governo na Cidade do Cabo ‘para todos os povos do império e da Comunidade Britânica’” (ibid.).
Aquelas palavras eram um voto pessoal de dedicação de sua vida a um quarto da população mundial que vivia dentro do império e da Comunidade Britânica.
Menos de cinco anos depois, o pai dela morreu, e a princesa Elizabeth se tornou rainha durante uma visita oficial ao Quênia, logo no início de uma turnê à Comunidade Britânica, que teve que ser adiada para 1954. A data era 6 de fevereiro de 1952.
“Enquanto os carpinteiros de Sandringham construíam um caixão de carvalho da propriedade, cinemas e teatros foram fechados, os programas da BBC foram suspensos, exceto os boletins de notícias e músicas solenes, atividades públicas e eventos esportivos foram adiados e bandeiras foram hasteadas a meio mastro. Durante os três dias de luto oficial, recomendaram que os homens usassem braçadeiras pretas e gravatas pretas. Na década de 1950, a morte do monarca foi vista como um grande abalo na estrutura política e social do império.
“George VI reinou em um momento excepcional da história britânica. Ao permanecer em Londres durante a Blitz (período dos bombardeios alemães), ele se tornou o símbolo vivo da determinação do país em derrotar o nazismo. Por isso, ele e sua família, que facilmente poderiam ter fugido para um refúgio no Canadá, conquistaram o respeito mundial. Ao saber de sua morte, houve quem temesse que a nação ficasse sem um coração. A jovem rainha estava bem ciente disso. Educada para colocar o dever acima de tudo, ela estava determinada a manter os padrões estabelecidos por seu pai e seu avô, George V”.
“Em sua primeira reunião com o Conselho Privado, ela fez sua Declaração de Adesão, decidindo seguir o exemplo de serviço e devoção de seu pai. E em uma transmissão para a nação, ela estava se preparando ansiosamente para sua coroação ‘com oração e meditação’. Ela apelou para sua audiência: ‘Orem por mim nesse dia. Orem para que Deus me dê sabedoria e força para cumprir as promessas solenes que farei’” (“The Making of Our Queen” [A Preparação de Nossa Rainha, em tradução livre], Barry Turner, jornal The Telegraph, 5 de fevereiro de 2022).
Assim começou o que é geralmente chamado de “Segunda Era Elizabetana”. E começou com uma grande promessa — na época, o neozelandês Sir Edmund Hilary tornou-se o primeiro homem a conquistar o Monte Everest e a notícia chegou a Londres a tempo de ser divulgado pelos jornais no dia da coroação.
O que se seguiu foram setenta anos de um zeloso serviço à Inglaterra e à Comunidade Britânica. E, por esse motivo, Elizabeth ganhou a alcunha de “A Rainha Serva”.
Um mundo transformado sob o reinado de Elizabeth
Mas, na verdade, não houve uma segunda era elizabetana. Enquanto a primeira rainha Elizabeth (1558-1603) lançou as bases do Império Britânico, o reinado da segunda rainha Elizabeth foi marcado pelo desmantelamento desse mesmo império.
Essa “grande família imperial” que ela citou em 1947 já não existe mais, pois foi substituída pela Comunidade Britânica, cujos membros são independentes e muitas vezes bastante críticos à Inglaterra. A maioria tem prioridades bem diferentes das da Inglaterra e do resto da Comunidade Britânica. Se outro conflito como a Segunda Guerra Mundial ocorresse novamente, seria improvável que os países dessa Comunidade Britânica viriam ajudar a Inglaterra. Em 1939, todos fizeram isso, e a Índia contribuiu com 2,5 milhões de soldados, o maior exército voluntário da história.
Poucos britânicos conseguem enxergar claramente a magnitude desse declínio do país.
Contudo, a própria Elizabeth percebeu isso. Logo após seu casamento em 1947, ela se juntou ao Serviço Territorial Auxiliar na importante base naval britânica da ilha de Malta. Em 1979, os britânicos se retiraram voluntariamente dali. Os poderes econômico e militar do império sofreram um declínio acentuado durante o reinado dela.
Na época de seu casamento, a Inglaterra tinha mais de 1,25 milhão de soldados servindo às forças armadas. Agora, após sucessivos cortes, há menos de duzentos mil militares.
Podemos dizer que a rainha Elizabeth II ajudou a manter a Inglaterra estável durante esse longo declínio. Essa é outra maneira de ver isso. Entretanto, vendo de outra forma, a Inglaterra não está mais tão segura quanto antes.
A monarquia proporciona uma grande influência à Inglaterra. Além de ser chefe de Estado da Inglaterra, a rainha Elizabeth II também é a chefe de Estado do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia (na Austrália ela é conhecida como a Soberana).
Ela também tem escritório em vários países menores no Caribe e no Pacífico. O fato de ter mantido o papel da monarca deu a essas nações uma estabilidade que, de outra forma, poderiam ter perdido. Atualmente existem quinze países na Comunidade Britânica.
Além disso, há cinquenta e quatro países membros da Comunidade Britânica. Embora a maioria deles sejam agora repúblicas, a rainha é a chefe da Comunidade Britânica, e as nações membros votaram em sua última reunião para reconhecer o príncipe Charles como chefe da Comunidade Britânica quando chegar a hora.
A rainha se esforça para manter os países membros alinhados, usando sua influência para ajudar todos a permanecerem no caminho democrático. Um artigo na Newsweek de vinte anos atrás, publicado no quinquagésimo aniversário da rainha, dizia que ninguém havia feito mais para difundir a democracia do que Elizabeth II.
Durante esses setenta anos no trono, ela teve 179 primeiros-ministros, incluindo os do Reino Unido e dos quinze reinos da Comunidade Britânica.
O ex-primeiro-ministro canadense Brian Mulroney observou: “A rainha sabe que, quando entra na sala, é a chefe de Estado mais poderosa da sala. Ela é a número um, embora seu país não seja mais o número um [no mundo]” (citado por Smith, p. 491).
Um voto religioso vazio
E a Inglaterra não perdeu apenas o império nesses últimos setenta anos. hoje em dia, a moral da nação é totalmente inverso do que era na época da coroação em junho de 1953.
Durante a cerimônia de coroação, o Arcebispo de Canterbury perguntou o seguinte:
“Você usará até o máximo de seu poder para manter as Leis de Deus e a verdadeira profissão do Evangelho?”.
“Você usará até o máximo de seu poder para preservar no Reino Unido a Religião Protestante Reformada como estabelecida por lei?”.
“Você manterá e preservará inviolavelmente o estabelecimento da Igreja Anglicana e sua doutrina, culto, disciplina e governo, conforme a lei estabelecida na Inglaterra?”.
A monarca britânica é a autoridade máxima da Igreja Anglicana. Naquela ocasião, ela foi perguntada se manteria as leis de Deus e as doutrinas da Igreja, assim como ela as entendia. Porém, houve uma reversão total disso tudo, e não apenas na Inglaterra, mas também em outras nações da Comunidade Britânica de descendência inglesa — Austrália, Canadá e Nova Zelândia. Essas nações foram pioneiras em mudanças sociais nos últimos sessenta anos, tais como o aborto, o divórcio, o casamento homoafetivo ou outras agendas LGBTQ.
E a rainha, como chefe de Estado, teve que aprovar todas essas mudanças.
Depois de sete décadas no trono, você pensaria que as opiniões políticas da rainha seriam conhecidas. Mas não é bem assim. Ela tem sido uma monarca constitucional exemplar. Mas isso significou silenciar-se sobre esses importantes assuntos mencionados — e também sobre a transformação multicultural que mudou totalmente a Inglaterra. Anualmente, seu discurso natalino sempre destacava os avanços desses temas. Até certo ponto, ela tem responsabilidade em algumas das legislações antibíblicas que foram adotadas pelos políticos ou pelo próprio povo.
Depois de ela prometer cumprir o que foi pedido na coroação, a Bíblia foi colocada diante dela e estas palavras foram pronunciadas: “Nossa graciosa Rainha para manter Vossa Majestade sempre atenta à lei e ao Evangelho de Deus como regra para toda a vida e governo dos príncipes cristãos, apresentamos-lhe este Livro, a coisa mais valiosa que este mundo tem a oferecer”.
Então, o encarregado continuou com a cerimônia, dizendo: “Aqui está a Sabedoria; esta é a lei real; estes são os vívidos Oráculos de Deus”.
Agora que a Inglaterra entrou em uma era pós-bíblica, talvez esses trechos do cerimonial citado acima sejam excluídos quando o príncipe Charles herdar o trono. O aspecto marcante do cerimonial de coroação é a preeminência dada à Bíblia como normas da lei.
Essa é uma grande diferença entre a primeira e a segunda Era Elizabetana. Na época do reinado de Elizabeth I, o país havia rompido com Roma. E era um país entusiasticamente protestante e determinado a preservar sua religião contra a influência e o poder da igreja romana. E durante a regência de Elizabeth II, a Bíblia foi quase totalmente rejeitada pela nação. Cada vez mais as pessoas têm frequentado mesquitas em vez de igrejas. Quanto à própria rainha, ela ainda frequenta a igreja regularmente, até mesmo quando está de férias.
Em 2016, foi publicado um livro comemorativo para seu aniversário de noventa anos, intitulado The Servant Queen and the King She Serves (A Rainha Serva e o Rei que Ela Serve, em tradução livre), que declarava: “A rainha trabalha arduamente porque está comprometida em servir. E isso tem a ver com seu compromisso de seguir os caminhos de Cristo” (p. 23). E, enfatizando que ela tem a Bíblia como sua inspiração, o livro faz essa citação: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo” (Filipenses 2:5-7, NVI, citado na p. 26).
Sinceramente, eu não conheço nenhum outro país que tenha mudado tanto quanto a Inglaterra nos últimos setenta anos. Quando a rainha falecer, talvez aquele país desmorone. O Reino Unido é composto por quatro países (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte). Todos os quatro veem a Elizabeth II como sua líder. A Escócia já tem um grande movimento de independência. A relação da Irlanda do Norte com Londres está incerta desde o Brexit.
Assim o Reino Unido terá completado seu ciclo. Na época de Elizabeth I, havia apenas a Inglaterra e o País de Gales. Com o fim do império, se algo acontecer ao Reino Unido, pode não sobrar nada, exceto a Inglaterra e o País de Gales — e ambos sendo apenas uma sombra do que foram outrora.
Essas grandes mudanças no poder geopolítico e na moralidade em declínio das nações ocidentais foram preditas como uma marca registrada de um tempo de turbulência mundial que levaria ao estabelecimento de um reino vindouro que jamais terá fim — o reino do supremo Rei e Messias, Jesus Cristo!