Comentário Bíblico
Deuteronômio 14
Leis Ainda Vigentes
Nesse capítulo, Moisés lembra os israelitas sobre o luto apropriado e inapropriado pelos mortos, sobre os animais limpos e imundos e sobre o dízimo. Todas as leis discutidas nesse capítulo ainda são válidas para nós hoje, mas com duas exceções.
Quando um amigo próximo ou parente morre, não devemos seguir os caminhos dos pagãos, desesperando-nos ou “autoflagelando-nos” por causa do luto, como faziam os antigos pagãos e certas tribos indígenas, e muito menos raspando parte da cabeça (versículo 1). O motivo disso está no versículo 2: Somos um povo santo para Deus e, como tal, devemos nos abster de todas as práticas religiosas dedicadas a deuses pagãos ou aos mortos, que se acreditava viverem em outra vida.
Além disso, devemos nos abster de comer qualquer animal imundo (versículos 3-21), que é uma "coisa detestável" ou "abominável" quando usado como alimento. Embora os únicos animais terrestres identificados especificamente nesse capítulo como imundos para o consumo sejam o camelo, o coelho, a lebre e o porco, a descrição geral de animais terrestres imundos abrange todos os que não atendem aos critérios de ruminação e fendimento dos cascos (versículos 7-8). Assim, todos os répteis e anfíbios são imundos, assim como vermes, aranhas e a maioria dos insetos. E o mesmo ocorre com quase todos os mamíferos, os únicos aceitáveis como alimento são a maioria dos ruminantes, tais como bovinos, antílopes, veados, ovelhas, cabras e até girafas. Além disso, somente criaturas aquáticas "que têm barbatanas e escamas" podem servir de alimento (versículos 9-10), excluindo assim animais como enguias, tubarões, bagres, mariscos, lulas, lagostas, caranguejos, camarões e todos os outros moluscos.
Aves limpas podem servir de alimento (versículos 11, 20), mas essas são definidas apenas indiretamente por meio da listagem de aves imundas, que não devem ser consumidas (versículos 12-18). A partir dessa lista, podemos ver quais aves são limpas ao observar as características das que são imundas: (1) uma ave limpa tem um papada ou papo; (2) uma ave limpa tem uma moela com um revestimento duplo que pode ser facilmente separado; (3) uma ave limpa não é uma ave de rapina; (4) uma ave limpa não devora a comida enquanto voa; (5) o dedo traseiro e o dedo dianteiro do meio de uma ave limpa são alongados; (6) quando uma ave limpa fica em um poleiro, ela abre seus dedos de modo que três dedos dianteiros fiquem de um lado do poleiro e o dedo traseiro do lado oposto. Todas as aves imundas não têm pelo menos uma dessas seis características. Isso significa que, entre outras, as seguintes aves são limpas: galinha, peru, pato, ganso, cisne, faisão, codorna, perdiz, pombo e todos os pássaros canoros. Embora a versões Almeida Revista e Corrigida e Almeida Corrigida Fiel citem o "cisne" como imundo em Deuteronômio 14:17 e Levítico 11:18, a Nova Versão Internacional e outras versões modernas traduzem corretamente essa palavra como se referindo a um tipo de coruja. Aves como corujas, falcões e avestruzes são imundas — e também seus ovos.
O versículo 19 nos diz que todas as pequenas criaturas que enxameiam e têm asas são imundas. Entretanto, uma passagem paralela a essa, em Levítico 11, esclarece que certos tipos de insetos voadores com pernas articuladas acima dos pés para saltar podem servir de alimento, como, por exemplo, locustas, gafanhotos e grilos (versículos 21-22). Acredita-se que no antigo Oriente Médio, esses insetos eram moídos e misturados numa refeição e assados em bolos — talvez isso explique o relato bíblico sobre João Batista comer gafanhotos com mel (Mateus 3:4).
Outra lei cerimonial mencionada em Deuteronômio 14:8 proíbe tocar na carcaça de um porco morto. Levítico 11 explica que tocar na carcaça de qualquer animal imundo tornava uma pessoa ritualmente impura, mas apenas "até a tarde" (versículos 8, 11, 24, 26, 27, 31). Na verdade, isso também era válido quando se tratasse de um animal limpo morto (versículo 39). O fato de uma pessoa ficar ritualmente limpa ao anoitecer, após se lavar, demonstra o caráter cerimonial dessa norma. (Isso não quer dizer, no entanto, que não houvesse benefícios à saúde em seguir até mesmo essas leis cerimoniais. Por exemplo, um animal que tivesse morrido por causas naturais poderia ter sido vitimado por uma doença, tornando-o potencialmente prejudicial à saúde de quem o comesse. Ademais, ainda continua sendo uma boa prática de higiene lavar as mãos depois de tocar em algum animal morto para se evitar uma possível transmissão de patógenos nocivos. Isso fica bem evidente quando lemos, em Levítico 11, sobre como vários utensílios e vasilhas ficavam impuros devido ao contato com carcaças de animais mortos).
(Para saber mais sobre as leis alimentícias entregues por Deus, peça ou baixe nosso guia de estudo bíblico gratuito “O Que a Bíblia Ensina sobre Carnes Limpas e Imundas?”).
O Segundo e o Terceiro Dízimos
Finalmente, Deuteronômio 14:22-29 discute alguns princípios do dízimo que ainda são válidos hoje. Essa passagem não aborda o primeiro dízimo, que deveria ser entregue aos levitas como pagamento pelo trabalho deles (comparar Números 18:21). Alguns argumentam que o dízimo mencionado em Deuteronômio 14:22 é o primeiro dízimo. Entretanto, se esse fosse o caso, seria o único dízimo mencionado aqui sem uma explicação para seu uso. Contudo, o uso desse dízimo mencionado no versículo 22 está bem explicado nos versículos seguintes (versículos 23-26) — essas passagens se referem claramente a um segundo dízimo, que deve ser usado pelo dizimista para si mesmo e para sua família na observância das festas de Deus. Segue-se então uma breve menção de um terceiro dízimo, guardado apenas a cada três anos de um ciclo sabático de sete anos (versículos 28-29; comparar 26:12; Levítico 25:2-4), que era para ser dado aos pobres — ou seja, os levitas (que não tinham permissão para possuir terras), os estrangeiros, os órfãos e as viúvas. Todos esses três dízimos são evidenciados pelo famoso historiador judeu do primeiro século, Flávio Josefo (comparar livro História dos Hebreus, capítulo 8).