O Ódio Crescente Após a Guerra do Golfo

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O Ódio Crescente Após a Guerra do Golfo

Os líderes Osama bin Laden e outros grupos militantes islâmicos no Egito, Paquistão e Bangladesh estavam entre os signatários.

A declaração, tradução de um artigo de Bernard Lewis na edição em novembro-dezembro 1998 da revista Foreign Affairs (Relações Exteriores), começou com os militantes citando várias passagens do Alcorão e ditados de Maomé, e continuava:

“Desde que Deus estabeleceu a península Arábica, criou seu deserto e cercou-a com seus mares, nenhuma calamidade tinha acontecido como nesta península, como a dos cruzados que se espalharam por ela como gafanhotos, ocupando seu solo, comendo seus frutos e destruindo a sua vegetação [folhagem]; e esta é uma época em que as nações lutam contra os muçulmanos como comensais que se acotovelam em torno de um prato de comida”.

A declaração continua, condenando os Estados Unidos por três principais razões:

“Primeiro—Por mais de sete anos, os Estados Unidos têm ocupado as terras do Islamismo no mais sagrado dos lugares, a península Arábica, saqueando suas riquezas, dando ordens a seus governantes, humilhando seu povo, aterrorizando seus vizinhos, e transformando suas bases na península em pontas de lança para combater os povos muçulmanos vizinhos...

“Segundo—Apesar da grande devastação infligida ao povo iraquiano pela aliança cruzado-sionista, com um número impressionante de mortos, superior a um milhão, os norte-americanos estão mais uma vez tentando repetir os horríveis massacres...

“Terceiro—Embora os objetivos norte-americanos por trás dessas guerras são religiosos e econômicos, a intenção também é favorecer o Estado judeu, distrair a atenção de sua ocupação de Jerusalém e do seu assassínio de muçulmanos ali”.

Os signatários militantes concluem que esses “crimes” equivalem a “uma declaração clara de guerra dos norte-americanos contra Deus, contra Seu profeta, e contra os muçulmanos”. A declaração lembra aos leitores que ao longo dos séculos, os ulemás—autoridades em teologia e lei islâmica—decidiram por unanimidade que, quando terras muçulmanas são atacadas por inimigos, o dever pessoal de cada muçulmano é a jihad, um conflito religioso que nenhum muçulmano pode ignorar.

A sensibilidades sobre Saudita remonta de quase mil e quatrocentos anos, desde os primórdios do Islamismo. Ao comentar a declaração, o professor Lewis, professor emérito de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Princeton e destacada autoridade sobre o assunto, escreve: “Os historiadores árabes clássicos nos dizem que no ano 20 depois da Hégira (fuga de Maomé de Meca para Medina), corresponde ao ano 641 do calendário cristão, o Califa Umar decretou que os judeus e cristãos deveriam ser retirados da Arábia para se cumprir uma ordem do Profeta em seu leito de morte: ‘Não pode haver duas religiões na Arábia’. As pessoas em questão eram os judeus do oásis de Khaybar ao norte e os cristãos de Najran no sul”.

Ele continua: “. . . A expulsão de minorias religiosas é extremamente rara na história islâmica—ao contrário da cristandade medieval onde a expulsão de judeus e muçulmanos . . . eram normais e frequentes . . . Mas o decreto foi definitivo e irreversível, a partir dessa época até agora, a terra santa do Hijaz [a região de Meca e Medina e, às vezes, aplicadas a toda a Arábia Saudita] tem sido território proibido para os não-muçulmanos . . . e o fato de um não-muçulmano pisar no solo sagrado é uma grave ofensa . . .”

“E no que diz respeito a tudo que envolve sua terra santa, muitos muçulmanos tendem a definir a luta—e, algumas vezes, também o inimigo—em termos religiosos e veem as tropas norte-americanas enviadas para libertar e salvar, de Saddam Hussein, o Kuwait e a Arábia Saudita como invasores e ocupantes infiéis. Esta percepção é salentada pela inquestionável primazia dos Estados Unidos entre os poderes do mundo infiel”.

Em seu artigo, escrito três anos antes dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, o professor Lewis conclui com estas palavras: “. . . Alguns muçulmanos estão prontos para apoiar, e alguns até para aplicar, a extrema interpretação da declaração de sua religião. O terrorismo requer somente alguns. Obviamente, o Ocidente deve defender-se com todos os meios eficazes. Mas, na elaboração de estratégias para combater os terroristas, certamente seria útil compreender as forças que os motivam”.

A escritora e historiadora de assuntos religiosos Karen Armstrong também nos ajuda a entender o fundamentalismo islâmico em seu livro Islamismo. Ela observa que, ao terminar o século XX, “alguns muçulmanos . . . têm feito da violência o principal dever sagrado islâmico. Esses fundamentalistas costumam chamar o colonialismo ocidental e o pós-colonialismo imperialista ocidental de al-Salibiyyah: A Cruzada”.

Este é um termo assustador para os muçulmanos, recordando os violentos confrontos entre as forças da cristandade medieval e o Islamismo quase mil anos atrás. Os exércitos europeus fizeram uma série de cruzadas para libertar os lugares sagrados cristãos das forças do Islamismo e, amiúde, cometeram atrocidades terríveis durante esse período. “A cruzada colonial tem sido menos violenta, mas seu impacto tem sido mais devastador do que as guerras santas medievais”, diz ela. Os valores culturais ocidentais têm impactado a todos os países do mundo e são muito ressentidos por muitos povos.

Karen Armstrong continua: “Em todo o mundo, como vimos, os povos de todas as grandes religiões têm cambaleado sob o impacto do modernismo ocidental, e que resultou na religiosidade combatente e habitualmente intolerante que conhecemos pelo nome de fundamentalismo” (2000, pág. 180, grifo nosso).

Os movimentos fundamentalistas não se limitam ao Islamismo. Nem os confrontos religiosos têm se restringido ao Cristianismo e ao Islamismo. A India, predominantemente Hindu, tem testemunhado o conflito entre os fundamentalistas hindus e os fundamentalistas muçulmanos minoritários.

No entanto, o conflito entre cristãos e muçulmanos tem sido um tema constante na história por quatorze séculos. Este conflito não se limita ao mundo ocidental. Nos últimos anos, a Indonésia tem testemunhado uma violência terrível de muçulmanos decapitando cristãos. As duas religiões têm estado numa guerra civil no país africano do Sudão por mais de três décadas. A guerra na Chechênia entre russos e chechenos nativos é uma guerra entre cristãos e muçulmanos. E, claro, os Balcãs têm sido um ponto de inflamação importante entre as duas religiões por gerações.

Embora, as nações islâmicas tenham graves divisões internas, tipicamente entre fundamentalistas islâmicos e líderes nacionalistas mais moderados, nenhum país muçulmano permite o livre trabalho de missionários cristãos nem a emigração e recebimento de cidadania para cristãos. Isso tem garantido que as nações islâmicas permaneçam essencialmente muçulmanas, com alguma tolerância para as religiões minoritárias que antecederam o Islamismo. Em contraste, os países ocidentais têm permitido a imigração significativa de países muçulmanos desde a Segunda Guerra Mundial, e essas minorias muçulmanas, que agora são consideráveis, estão complicando as tentativas dos governos ocidentais de lidar com este crescente conflito.