O Novo Testamento Acaba Com as Distinções de Carnes?

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O Novo Testamento Acaba Com as Distinções de Carnes?

Muitos teólogos afirmam que as leis de Deus sobre carnes limpas e imundas findaram na crucificação de Cristo. Eles supõem que a Nova Aliança elimina a necessidade de os cristãos observarem essas leis. Mas, a Bíblia diz isso mesmo?

A mudança administrativa do sacerdócio levítico para o ministério de Jesus Cristo não anulou a ordem de Deus para que Seu povo obedecesse à Sua lei de carnes limpas e imundas (ou qualquer outra lei) como parte de sua santificação ou separação, como povo de Deus (ver Levítico 11:44-47; 19:2; 20:7, 22-26; 21:8). Pedro e Paulo falam da contínua necessidade de o povo de Deus ser santo (Efésios 1:4; 1 Pedro 1:14-16).

Alguns estudiosos da Bíblia reconhecem que os membros da Igreja primitiva continuaram observando as distinções entre carnes limpas e imundas. No entanto, devido ao equívoco comum de que a Nova Aliança abolira grande parte da lei de Deus, muitos creem que esses requisitos alimentares eram simplesmente práticas culturais judaicas que continuaram até a Igreja tornar-se mais gentia em composição e perspectiva. Essas ideias preconcebidas influenciaram as interpretações de muitas passagens do Novo Testamento. Nos círculos teológicos, isso é conhecido como eisegesis, ou seja, injetar as suas ideias nas Escrituras, e assim manipulando o texto para dizer o que não diz.

Vamos examinar as passagens do Novo Testamento que tratam de alimento. Ao fazermos isso, vamos praticar exegesis — que é a regra correta de interpretação das escrituras (hermenêutica), extraindo o verdadeiro significado das Escrituras, buscando um entendimento e clareza das passagens, para podermos aplicá-las corretamente.

A visão de Pedro: Deus purificou todas as carnes?

Uma seção da Bíblia geralmente incompreendida é a visão de Pedro, na qual ele “viu o céu aberto e que descia um vaso, como se fosse um grande lençol atado pelas quatro pontas, vindo para a terra”. Neste lençol, “havia de todos os animais quadrúpedes, répteis da terra e aves do céu. E foi-lhe dirigida uma voz: Levanta-te, Pedro! Mata e come” (Atos 10:11-13).

Presumindo que a visão significava que ele deveria comer animais imundos, espontaneamente, Pedro respondeu: “De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda” (versículo 14). A mesma visão surgiu três vezes para Pedro (versículo 16).

Nesse ponto, muitos leitores, sem concluir o relato, creem que sabem o significado da visão — que Deus disse a Pedro que agora estamos livres para comer qualquer tipo de carne de animal que desejarmos. Entretanto, o contexto dessas escrituras mostra que não foi esse o entendimento de Pedro. Pelo contrário, mesmo depois de ver a visão por três vezes, ele ainda se perguntava “qual seria o significado da visão” (versículo 17, ARA).

Mais tarde, Pedro entendeu o significado da revelação. Ele disse: “Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo” (versículo 28). Então, reconhecendo o verdadeiro intuito da visão, Pedro batizou os primeiros gentios (não israelitas) que Deus chamou para a Igreja e que não eram prosélitos judeus (versículos 45-48).

Como vemos mais adiante no relato, essa revelação divina não tinha nada a ver com alimento. Pelo contrário, tinha a ver com pessoas. Como os líderes religiosos judeus da época de Cristo, erroneamente, consideravam os gentios como impuros, essa dramática visão corrigiu um equívoco comum que havia afetado a Pedro e a outros membros da Igreja. E demonstrou que Deus estava começando a oferecer salvação a pessoas de qualquer raça. Agora, os gentios chamados por Deus eram bem-vindos à Igreja.

Longe de abolir as instruções de Deus contra o consumo de carnes imundas, esses versículos mostram que, cerca de uma década após a morte de Cristo, Pedro “nunca havia comido coisa alguma comum e imunda”.

Obviamente, Pedro não estava admitindo que Deus houvesse anulado Suas próprias leis alimentícias ou que a morte e ressurreição de Cristo as tornaram obsoletas. Através das próprias palavras de Pedro, vemos que ele continuou seguindo fielmente essas leis.

Também não encontramos evidências de que ele tenha comido carne imunda após essa experiência. Sem dúvida, ele continuou obedecendo às leis de Deus, diferenciando as carnes que podia ou não comer, e não vendo assim razão para mudar sua prática. Ele entendeu que aquela intrigante visão não poderia anular as instruções de Deus, e é por isso que ele “refletiu na visão” até entender o seu significado (versículos 17-19, 28) — que os gentios também poderiam se tornar membros da Igreja mediante arrependimento e fé (versículos 34-35, 45-48).

A controvérsia na Igreja sobre os alimentos

Ao ler o Novo Testamento, encontramos referências a uma controvérsia na Igreja primitiva envolvendo comida. No entanto, um exame das Escrituras revela que o assunto é diferente do que muitos entendem.

Em 1 Coríntios 8, o apóstolo Paulo discutiu sobre “comer das coisas sacrificadas aos ídolos” (versículo 4). Por que isso era um problema?

“Na época de Paulo, frequentemente, a carne era sacrificada e oferecida nos altares pagãos como oferenda aos deuses. Mais tarde, essa mesma carne era colocada à venda nos açougues públicos. Alguns cristãos se perguntavam se era correto comerem dessa carne, que havia sido sacrificada aos deuses pagãos” (Novo Dicionário Bíblico Ilustrado de Nelson, 1995,“Carne”).

Embora inconclusivo, é interessante notar que Atos 14:13 é a única passagem em que se menciona o tipo de animal sacrificado aos ídolos, touros — animais limpos — que estavam prestes a ser oferecidos naquela ocasião.

Essa controvérsia não era sobre os tipos de carne que deveriam ser consumidos. Os obedientes judeus da época, seguindo as instruções de Deus, não consideravam a carne imunda como uma possível fonte de alimento. Em vez disso, a controvérsia se tratava da consciência de cada crente sobre comer carne — carne limpa — que poderia ter sido sacrificada aos ídolos.

Paulo explicou que “o ídolo nada é” (1 Coríntios 8:4), esclarecendo que não era intrinsecamente prejudicial comer carne que havia sido sacrificada a ídolos. O fato de um animal ter sido sacrificado a um deus pagão não tinha influência sobre se a carne era adequada para consumo.

Paulo continuou: “Mas nem em todos há conhecimento; porque alguns até agora comem, no seu costume para com o ídolo, coisas sacrificadas ao ídolo; e a sua consciência, sendo fraca, fica contaminada. Ora, o manjar não nos faz agradáveis a Deus, porque, se comemos, nada temos de mais, e, se não comemos, nada nos falta” (versículos 7-8).

Quando um crente comprava carne no açougue ou era convidado para uma refeição em que se servia carne, não era necessário determinar se alguém a havia oferecido a algum ídolo, disse Paulo (1 Coríntios 10:25-27). Sua preocupação era que os irmãos fossem atenciosos com aqueles que pensavam de outro modo. Ele ensinou que, nesses casos, era melhor que eles não comessem carne do que correr o risco de causar ofensa (1 Coríntios 8:13; 10:28).

A questão da carne sacrificada aos ídolos era uma controvérsia considerável nos tempos do Novo Testamento. E foi base de muitas das discussões de Paulo sobre a liberdade e a consciência cristã. Diferentemente da lei de Deus sobre animais limpos e imundos, registrada diretamente no Antigo Testamento, as Escrituras Hebraicas não são claras sobre a questão da comida oferecida aos ídolos. Porém, no mundo do primeiro século do Novo Testamento, essa questão variava em significado e importância para os membros de acordo com sua consciência e entendimento.

A cronologia das cartas de Paulo

O relacionamento cronológico entre as cartas de Paulo aos membros de Corinto e sua correspondência com os membros de Roma é outra importante informação que as pessoas geralmente ignoram.

Muitos acreditam que Romanos 14 respalda a ideia de que os cristãos estão livres de todas as restrições anteriores em relação às carnes que podem consumir. O versículo 14, onde Paulo escreveu: “Eu sei e estou certo, no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda”, é frequentemente citado como prova desse ponto de vista (consultar "Compreendendo o Termo 'Imundo' em Romanos 14 ", página XX).

Contudo, esse enfoque não considera a perspectiva de Paulo e o contexto de sua carta à igreja romana. Muitos estudiosos da Bíblia concordam que Paulo escreveu o livro de 1 Coríntios por volta de 55 d.C. e que ele escreveu sua epístola de Romanos em Corinto em 56 ou 57 d.C. Como demonstrado acima, a controvérsia alimentar em Corinto era sobre a carne sacrificada aos ídolos. Como Paulo estava escrevendo para os romanos a partir de Corinto, onde esse era um problema significativo, o assunto ainda estava fresco na mente dele e é a base lógica e biblicamente fundamentada de seus comentários em Romanos 14.

Entendendo o propósito de Paulo

Aqueles que afirmam que o tema de Romanos 14 é uma retratação da lei de Deus quanto a animais limpos e imundos precisam forçar essa interpretação no texto, pois não tem fundamento bíblico. A base histórica para aquele debate indica, segundo evidências no próprio capítulo, ser a carne sacrificada aos ídolos.

O versículo 2 contrasta quem “come legumes” com quem acredita que “de tudo se pode comer” — tanto carne como verduras. O versículo 6 discute sobre comer ou não comer, e, de várias maneiras, isso é interpretado como uma referência ao jejum (não comer ou beber), vegetarianismo (consumir apenas vegetais) ou comer ou não comer carne sacrificada aos ídolos.

O versículo 21 mostra que a carne oferecida aos ídolos era a questão predominante desse capítulo: “É bom não comer carne, nem beber vinho, nem fazer nada pelo qual seu irmão tropeça ou se ofende ou se enfraquece”. Os romanos geralmente ofereciam carne e vinho para ídolos, mas partes dessas oferendas eram vendidas posteriormente no mercado.

A Life Application Bible (Bíblia de Aplicação na Vida) comenta sobre o versículo 2: “O antigo sistema de sacrifício estava no centro da vida religiosa, social e doméstica do mundo romano. Depois que um sacrifício era apresentado a um deus num templo pagão, apenas parte dele era queimado. Frequentemente, o restante era enviado ao mercado para ser vendido. Assim, um cristão poderia facilmente — mesmo sem saber — comprar essa carne no mercado ou comê-la na casa de um amigo.

“Um cristão deveria questionar a origem da carne que comprava? Alguns achavam que não havia nada de errado em comer carne que havia sido oferecida aos ídolos porque os ídolos eram inúteis e falsos. Outros verificaram cuidadosamente a origem das carnes ou desistiam da compra, a fim de evitar uma consciência culpada. Esse problema era notadamente grave para os cristãos que outrora foram adoradores de ídolos. Para eles, um lembrete tão forte de seus dias pagãos poderia enfraquecer sua nova fé. Paulo também lida com esse problema em 1 Coríntios 8”.

Qual é o ponto de vista de Paulo na instrução de Romanos 14? Dependendo da própria consciência, os primeiros crentes tinham várias opções a escolher enquanto viajavam ou residiam em suas comunidades. Se não quisessem comer carne que talvez tivesse sido sacrificada a ídolos, eles poderiam optar por jejuar ou comer apenas vegetais para garantir que não consumiriam nenhuma carne de origem suspeita que pudesse ofender sua consciência. Mas se não tivessem esse problema de consciência ao comer carne que poderia ter sido sacrificada aos ídolos, então poderiam consumir sem se incomodar com isso. Dentro deste contexto, Paulo disse que “cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo” (versículo 5), porque “tudo o que não é de fé é pecado” (versículo 23).

Em parte, Romanos 14 é um capítulo sobre a liberdade cristã — alguém agir de acordo com a consciência, no âmbito das leis de Deus, quanto à carne sacrificada aos ídolos. Quando seu contexto é entendido, vê-se que Romanos 14 não dá permissão para se comer carne de porco ou qualquer outra carne imunda. Outras escrituras ficam claras quando se compreende que a controvérsia alimentícia da era do Novo Testamento se tratava da carne sacrificada aos ídolos e não das carnes limpas.

O debate sobre a purificação cerimonial

Outra passagem frequentemente incompreendida é Marcos 7:18-19. Aqui Jesus disse: “Assim também vós estais sem entendimento? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não entra no seu coração, mas no ventre e é lançado fora, ficando puras todas as comidas?” O assunto aqui — mostrado claramente nos versículos 2-5 — era as mãos impuras e não quais carnes poderiam ser consumidas. A purificação dos alimentos se refere à maneira como o processo digestivo do corpo elimina pequenas impurezas, como aquelas que podem estar presentes quando se come sem lavar as mãos.

Os fariseus, como Jesus e Seus discípulos, comiam apenas carne que as Escrituras especificavam como limpa. Entretanto, eles contestaram quando Jesus e Seus discípulos não passaram pelo ritual costumeiro dos fariseus de lavar meticulosamente as mãos antes de comer.

Jesus, cujas mãos estavam suficientemente limpas para comer, mas não o bastante para atender aos padrões inventados pelos fariseus — explicou que o corpo humano foi projetado para lidar com pequenas partículas de poeira ou sujeira que possam ser ingeridas devido ao manuseio de alimentos com as mãos que não foram lavadas ritualmente. Ele sugeriu ainda que, se os fariseus queriam obedecer seriamente a Deus, precisavam revisar suas prioridades. Ele disse que limpar os pensamentos tem muito mais importância espiritual do que lavar as mãos (versículos 20-23).

Interpretações duvidosas

A Nova Versão Internacional (NVI) da Bíblia reproduz a última parte do versículo 19 desta maneira: “Ao dizer isto, Jesus declarou ‘puros’ todos os alimentos”. A Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA) apresenta algo similar: “E, assim, considerou Ele puros todos os alimentos”. Essas traduções contrastam fortemente com as versões da Bíblia Almeida Corrigida e Fiel (ACF) e com a Almeida Revista e Corrigida (ARC), que indicam que o processo digestivo do corpo purifica os alimentos em contraposição a uma declaração de Jesus revertendo às leis de Deus sobre que carne se deve comer. Qual é a interpretação correta?

As interpretações das versões Almeida Corrigida e Fiel (ACF) e da Almeida Revista e Corrigida (ARC) se encaixam melhor no contexto, que diz respeito a comer sem realizar o ritual de lavar as mãos e não sobre decidir que tipo de carne é adequado para ser consumida. Elas também se encaixam melhor na cultura do Novo Testamento em que judeus e cristãos comiam apenas carnes limpas.

Observe que em ambos na NVI e na ARA parece que Marcos está explicando as palavras de Cristo. Obviamente, essa é uma interpretação da redação original do Evangelho de Marcos. Os termos “Ao dizer isto, Jesus declarou” (NVI) e "Assim, considerou Ele” (ARA) não existem no grego original. Os tradutores os adicionaram para explicar o que achavam que Marcos pretendia dizer, colocando assim suas próprias interpretações preconcebidas e equivocadas nas palavras de Jesus (eisegesis).

Reunindo todas as escrituras sobre o assunto nos ajuda a entender corretamente a perspectiva bíblica (ver “Como Devemos Entender as Escrituras?”, página XX). Quando lemos as passagens de Atos 10, discutidas anteriormente, onde Pedro afirma que nunca havia comido carne imunda cerca de uma década após a morte de Cristo, deixa óbvio que os apóstolos não acreditavam que Ele abolira os mandamentos contra o consumo de carnes imundas. Simplesmente, essa ideia não se sustenta à luz de escrituras claras, que dizem ao contrário.

Nenhuma passagem do Novo Testamento descreve os cristãos comendo carnes consideradas impuras. Tal ideia está evidentemente ausente na Bíblia. Pelo contrário, encontramos muitas escrituras em que o apóstolo Paulo defende enérgica e repetidamente a obediência às leis de Deus (Atos 24:14; 25:8; Romanos 3:31; 7:12, 22), assim como Tiago, o meio-irmão de Cristo (Tiago 2:8-12; 4:11) e João (1 João 3:4). Violar as leis de Deus sobre carnes limpas e imundas seria impensável para eles.

A controvérsia de Colossenses esclarecida

Quando Paulo escreveu aos cristãos “ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados” (Colossenses 2:16, ARA), alguns creem que esses crentes, a quem ele se dirigia, estavam comendo carne de porco e outras carnes antes consideradas imundas. Novamente, em nenhum lugar a Bíblia apoia essa hipótese.

Na realidade, a questão das carnes limpas e imundas não é abordada em nenhum lugar nesta passagem. Paulo não discute quais alimentos os colossenses estavam consumindo. A palavra grega brosis, traduzida como "comida", refere-se não ao alimento em si, mas ao "ato de comer" (Dicionário Expositivo Completo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento de Vine, 1985, p. 245, grifo nosso).

Algumas outras traduções deixam isso claro. Por exemplo, as versões Almeida Corrigida e Fiel (ACF) e a Almeida Revista e Corrigida (ARC) traduzem esse trecho assim: “Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber..."

Embora muitos creiam que as críticas de Paulo são dirigidas aos mestres que defendiam as práticas do Antigo Testamento (como seguir a lei e praticar a circuncisão), não há nenhuma evidência bíblica que apoie essa ideia. No entanto, devemos reconhecer que as corrupções da prática bíblica correta abundavam naquela época, tanto no judaísmo quanto na emergente Igreja primitiva. Como explica A Enciclopédia Bíblica Internacional Padrão: “Esse falso ensinamento ia muito além do judaísmo. Seus mestres criam em espíritos intermediários, anjos que eles adoravam, e insistiam num ascetismo muito rígido” (“Epístola aos Colossenses”, edição de 1939).

O falso ensinamento condenado por Paulo continha muitos elementos de ascetismo — evitar qualquer coisa desse prazer — que pretendia tornar seus seguidores mais espirituais. Observe as instruções aos colossenses: “Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade” (Colossenses 2:20-23, ARA).

A partir disso, vemos a natureza ascética do erro que Paulo estava combatendo. A tentativa ilusória dos falsos mestres de alcançar maior espiritualidade incluía a “rigor astético” [disciplina do corpo] (versículo 23). Paulo caracterizou suas regras equivocadas como “não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro" (versículo 21). Seus esforços criaram apenas uma “falsa humildade" (versículo 23) e estavam destinados ao fracasso porque se baseavam em "preceitos e doutrinas dos homens" (versículo 22), e não na instrução de Deus.

Paulo admoestou a igreja de Colossos a não ouvir os ascetas. Em vez de revogar as leis de Deus sobre carnes imundas — que algumas pessoas entendem incorretamente nesta passagem — Paulo está instruindo aos membros de Colosso a não se preocuparem com esses mestres ascéticos, que criticavam a maneira como os colossenses desfrutavam das festas e dos Sábados de Deus, comendo e bebendo com um espírito de alegria e comunhão. E essa alegria, embora condenado por esses falsos mestres, é perfeitamente aceitável a Deus. (Para um entendimento mais aprofundado, solicite os dois guias de estudo bíblicos gratuitos: As Festas Santas de Deus: O Plano de Deus Para a Humanidade e Sábado: O Dia de Descanso de Deus).

Nesta seção de Colossenses, Paulo incentiva a Igreja a se apegar aos ensinamentos e entendimentos corretos. Esta secção não é um tratado sobre quais alimentos comer ou em que dias devem adorar a Deus. Devemos tomar cuidado para não ler ou injetar ideias preconcebidas nessas ou em outras escrituras.

A incompreensão das instruções de Timóteo

Ademais, 1 Timóteo 4:3-5 é outra parte dos escritos de Paulo que geralmente é mal compreendida, onde ele fala de falsos mestres que estavam “proibindo o casamento e ordenando a abstinência dos manjares que Deus criou para os fiéis e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças; porque toda criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificada”.

Qual era a motivação desses falsos mestres? Por acaso Paulo estava advertindo a Timóteo acerca de mestres judaizantes que exigiam a obediência às leis alimentícias de Deus? Ou se tratava de algo muito diferente?

Sabemos que Paulo disse a Timóteo que as Escrituras do Antigo Testamento inspiradas por Deus eram “proveitosas para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça” (2 Timóteo 3:16), então não há como acreditar que Paulo advertiria a Timóteo contra a observância dessas instruções encontradas nessas Escrituras.

Por outro lado, as palavras de Paulo nos mostram o verdadeiro problema: Esses mestres estavam exigindo que as pessoas seguissem regras não encontradas na Bíblia. Eles estavam "proibindo o casamento", sendo que, na verdade, as Escrituras incentivam o casamento e nunca o desestimula. Eles também estavam “ordenando a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis, e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças” (ACF).

A Bíblia de Aplicação na Vida nos ajuda a entender a essência do problema que Paulo abordou aqui: “O perigo que Timóteo enfrentou em Éfeso parece ter vindo de certas pessoas da igreja que estavam seguindo alguns filósofos gregos que ensinavam que o corpo era mau e que somente a alma importava. Os falsos mestres se recusavam a acreditar que o Deus da criação era bom, porque o simples contato com o mundo físico o teria maculado...[Eles] estabeleceram regras rigorosas (como proibir as pessoas de se casarem ou comerem certos alimentos). Isso os fazia parecer autodisciplinados e justos”.

Paulo discutia a verdadeira fonte desses ensinamentos heréticos de 1 Timóteo 4:1 que, em vez de serem bíblicos, vinham de “espíritos enganadores e [de] doutrinas de demônios”. Assim, vemos que o problema em 1 Timóteo 4 era o ascetismo mundano e pervertido, e não a obediência às leis de Deus que definem as carnes limpas e imundas.

A premissa de Paulo era que “os fiéis e os que conhecem a verdade” (versículo 3) estavam familiarizados com as escrituras que identificam especificamente que tipo de carne, “pela palavra de Deus e pela oração, é santificada” (versículo 5) para nosso deleite. Ele encorajou Timóteo a lembrá-los de que deviam deixar as Escrituras serem o guia deles em vez desses mestres ascéticos.

Assim como na situação discutida por Paulo na carta aos colossenses, o problema discutido com Timóteo era o ascetismo e não as leis alimentícias de Deus.

Uma visão mais abrangente da história

Como vimos, não existe evidência nas Escrituras que indique que os membros da Igreja primitiva alguma vez mudaram a prática de seguir as instruções de Deus sobre carnes limpas e imundas. Em vez disso, vemos as palavras inequívocas de um dos apóstolos mostrando que, cerca de uma década após a morte e ressurreição de Cristo, ele "nunca comeu nada comum ou imundo".

Podemos encontrar na Bíblia alguma referência sobre a vigência e a aplicação dessas leis? Vamos deixar o presente de lado e avançar na história da humanidade até o tempo do retorno de Cristo à Terra para estabelecer o Reino de Deus. Quando entendemos a vontade de Deus para o futuro podemos ter mais certeza sobre o que devemos fazer no presente.

Ao descrever os eventos do tempo do fim que antecedem o retorno de Cristo, o livro de Apocalipse usa a expressão “refúgio de toda ave imunda e aborrecível!” (Apocalipse 18:2). Se não existe mais diferenciação entre o limpo e o imundo, por que Jesus inspirou essa expressão a João? Deus é coerente e imutável (Tiago 1:17; Malaquias 3:6; 4:4; Hebreus 13:8; Mateus 5:17-19). Os animais que Deus classificou como imundos há milhares de anos continuarão sendo imundos no futuro.

A passagem de Apocalipse 18:2 pode se referir figurativamente a demônios — chamados “espíritos imundos” no Novo Testamento. Além disso, essa metáfora não faria sentido se não houvesse mais uma distinção entre pássaros limpos e imundos. Observe também que esses espíritos imundos são comparados a rãs em Apocalipse 16:13. Outra vez, somente quando entendemos que as rãs ainda serão consideradas imundas é que essa comparação passa a ter sentido.

Outra passagem que se refere à época do retorno de Jesus à Terra apresenta esta descrição: “Porque eis que o SENHOR virá em fogo; e os Seus carros... entrará o SENHOR em juízo com toda a carne; e os mortos do SENHOR serão multiplicados. Os que se santificam e se purificam nos jardins uns após outros, os que comem carne de porco, e a abominação, e o rato juntamente serão consumidos, diz o SENHOR” (Isaías 66:15-17). Aqui vemos que, no regresso de Cristo, será proibido o consumo de coisas imundas, e aquele que desobedecer será castigado.

A posição da Bíblia é muito clara. As distinções entre carnes limpas e imundas existiam muito antes de o Novo Testamento ser escrito; elas foram seguidas pelos líderes e outros membros da Igreja primitiva e ainda serão aplicadas no momento do retorno de Cristo, pois Ele mesmo exigirá isso. Portanto, está claro que essa lei também deve ser observada hoje pelos membros da Igreja moderna, que "guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus Cristo" (Apocalipse 12:17).

Embora os cristãos do primeiro século tenham lutado com a consciência por causa da carne sacrificada aos ídolos, a Bíblia indica que eles viviam em harmonia com as instruções de Deus sobre carnes limpas e imundas. E nós também não devemos viver em harmonia com essas leis?

Deus elaborou e entregou Suas leis para nosso benefício. Por isso, o apóstolo Paulo escreveu que “a devoção a Deus tem valor para tudo, porque promete bênçãos para a vida presente e para a vida futura” (1 Timóteo 4:8, Bíblia Versão Fácil de Ler).