As Três Graças: Uma Perspectiva do Primeiro Século Sobre a Ação da Graça

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As Três Graças

Uma Perspectiva do Primeiro Século Sobre a Ação da Graça

O conceito da graça era descrito visualmente num motivo [desenho decorativo] comum no mundo greco-romano no qual o Novo Testamento foi escrito. Aspectos da graça foram personificados como divindades, o que, embora claramente não bíblico, ajuda a ilustrar como charis, ou a graça, era vista. O Dr. David deSilva, professor de grego e do Novo Testamento e uma autoridade na cultura do primeiro século, descreve o simbolismo e as obrigações da graça como entendidas naquela época:

“Um retrato mítico e popular na arte greco-romana eram as 'três graças' (cáritas), as três deusas frequentemente retratadas dançando de mãos dadas ou com as mãos acima dos ombros em um círculo ininterrupto . . . [O escritor romano] Sêneca explica assim essa imagem: Um favor ‘passando de mão em mão, no entanto, retornando ao doador; a beleza do todo é destruída se o círculo for quebrado em alguma parte’ (Sêneca, De Beneficiis, que significa "De Favores", 1.3.3-4).

“Iniciar a dança do círculo com um presente era uma questão de livre escolha por parte do doador; aceitar o presente implica a aceitação da obrigação moral de retribuir o favor quando este foi apresentado: 'A concessão de um benefício é um ato social para conseguir a boa vontade de alguém, e também para colocar alguém sob obrigação' (De Beneficiis, 5.11.5).

“Aqui Sêneca se refere a um e ao mesmo 'alguém'. Um ato gracioso naturalmente deve despertar sentimentos recíprocos de boa vontade e estima por quem é beneficiado. Assim, ‘favor sempre gera favor’ (Sófocles, Ajax 522). Ao mesmo tempo, um presente cria uma obrigação de responder graciosamente, de modo que Sêneca se refere à ‘dívida de gratidão’ ou ao ‘devido favor. Ou, nas palavras de Eurípides (Helen 1234), ‘a um favor se deve favor’.

“A gratidão era uma obrigação sagrada, e o cliente que não demonstrasse gratidão adequadamente era considerado ignóbil . . . Aqueles que falhassem em corresponder com gratidão ou que insultassem um benfeitor 'não serão considerados dignos do favor de ninguém' (Dio Crisóstomo, [Orações] 31.36, 65) . . . Ou, nas palavras de Sêneca, 'não retribuir a gratidão por benefícios é uma desgraça, e o mundo inteiro a considera como tal' (De Beneficiis, 3.1.1)” (An Introduction to the New Testament: Contexts, Methods and Ministry Formation [Uma Introdução ao Novo Testamento: Contextos, Métodos e Formação do Ministério, em tradução livre], 2018, pp. 102-103).

Para resumir, as “três graças” representavam, graficamente, como a graça era entendida e funcionava no mundo greco-romano do primeiro século, no qual o apóstolo Paulo escreveu suas cartas. A graça (charis) originava-se de um doador generoso (representado por uma das três graças), era aceita pelo receptor (representado pela seguinte das três graças), que em agradecimento, por sua vez, estendia a graça a outros (representado pela última das três graças), e isso por sua vez beneficiava ao doador original. Nesse círculo ininterrupto, entendia-se que todos eram beneficiados.

Muitos dos comentários de Paulo sobre graça ou charis são coerentes com essa visão comum da época. Por exemplo, Paulo escreveu em 2 Coríntios 9:8 que “Deus é poderoso para fazer que lhes seja acrescentada toda a graça, para que em todas as coisas, em todo o tempo, tendo tudo o que é necessário, vocês transbordem em toda boa obra” (NVI). Ele observa aqui que, como recebemos a abundante graça de Deus, devemos estendê-la a outros na forma de "toda boa obra".

Em 2 Coríntios 8:7, Paulo, incentivando a igreja em Corinto a fazer uma generosa doação para aliviar a fome dos cristãos da Judeia, escreve: “Como, porém, em tudo, manifestais superabundância, tanto na fé e na palavra como no saber, e em todo cuidado, e em nosso amor para convosco, assim também abundeis nesta graça”. Paulo lembra que eles receberam muito de Deus, portanto deveriam compartilhar generosamente com seus irmãos que estavam sofrendo.

Ao dar instruções ministeriais em Tito 2:11-15, Paulo escreve: “Porque a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens . . . Ela nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente. É isso que você deve ensinar, exortando-os e repreendendo-os com toda a autoridade” (NVI). Paulo diz a Tito, seu companheiro no ministério, que instrua as pessoas, que receberam a salvação pela graça de Deus, a “viver de maneira sensata”.

O apóstolo Pedro, escrevendo sobre dons espirituais, nos diz: “Cada um exerça o dom que recebeu para servir aos outros, administrando fielmente a graça de Deus em suas múltiplas formas” (1 Pedro 4:10, NVI). Seu argumento é que expressamos nosso agradecimento a Deus por Seus dons, usando o que Ele nos deu para servir aos outros.

Como essas e outras passagens observam, nós, que somos os destinatários dos admiráveis dons da graça de Deus, temos a obrigação de nos tornar pessoas que personificam a graça para, voluntária e gratamente, estendemos essa graça a outros para benefício e bênção de todos. Dessa maneira, chegamos a desenvolver e refletir a natureza e o caráter perfeito de um Deus doador da graça!