Comentário Bíblico
Deuteronômio 19
Cidades de Refúgio, Homicídio Culposo e Dissuasão
Moisés ordena que Israel reserve mais três cidades de refúgio na terra a leste do Jordão, assim como as outras três que já haviam sido reservadas para pessoas que fossem acusadas de homicídio culposo (Números 35:9-29; Deuteronômio 4:41-43). Esse homicida poderia fugir para qualquer uma dessas cidades para escapar de uma possível execução por um vingador de sangue (um parente próximo da vítima), mas ele tinha que ficar ali até a morte do sumo sacerdote (Deuteronômio 19:1-13; Números 35:25). Ademais, como mostra Números 35:12, as cidades de refúgio foram estabelecidas para que o homicida pudesse se refugiar até ser julgado de forma justa.
Porém, diversos pontos precisam ser considerados aqui:
O autor do crime somente seria salvo da morte se fosse responsável por homicídio culposo, ou seja, se a vítima tivesse sido morta de forma acidental (Números 35:15). Há exemplos disso ao longo das Escrituras para ilustrar essa conduta acidental (semelhante ao entendimento humano acerca de um "acidente"). Isso incluiria um ato não intencional, ignorante ou inconsciente (Deuteronômio 19:4) — por exemplo, quando o perpetrador atira uma pedra e mata alguém acidentalmente (Números 35:23). E também abarcaria outro ato não intencional, que seria o caso de uma pessoa matar alguém sem intenção (Deuteronômio 19:5; Números 35:22). Por outro lado, se o perpetrador odiava a vítima, ele deveria ser executado (Deuteronômio 19:4, 6, 11; Números 35:20-21). Além disso, se ele golpeasse a vítima intencionalmente com uma pedra, um objeto de ferro ou madeira, mesmo não odiando-a (Números 35:16-18), então seria considerado digno de morte.
Porém, o autor de homicídio culposo não era considerado inocente, pois sua conduta, embora não intencional ou inconsciente, levou à morte de uma pessoa. O verdadeiro pecado aqui parece ser a negligência porque, se tivesse tomado as devidas precauções, provavelmente essa morte teria sido evitada. O homicida ainda tinha que fugir para uma cidade de refúgio e ficar ali até que o sumo sacerdote morresse. Se ele deixasse a cidade antes da morte do sumo sacerdote, o vingador do sangue tinha permissão para matá-lo. Assim, a conscientização de que ações descuidadas poderiam resultar em um longo período de confinamento dentro de uma cidade de refúgio levaria as pessoas a serem mais cuidadosas.
Sem dúvida, um homicida poderia ser acolhido em qualquer uma das cidades de refúgio. Entretanto, seria mais provável ele fugir para uma cidade designada em seu território, pois quase sempre seria a mais próxima e a mais acessível. Isso porque cada cidade de refúgio estava localizada no centro de seu respectivo território — e, dentro desse território, eram construídas estradas (com pontes e placas) que levavam a essa cidade (Deuteronômio 19:2-4).
Em seguida, Moisés adverte o povo a não remover os marcos de divisa do terreno do vizinho (Deuteronômio 19:14). E isso não era simplesmente uma questão de mover apenas uma pedra. Os marcos eram pedras que delimitavam as propriedades. Essa lei proibia manipular os marcos para roubar parte da propriedade de alguém — sua herança legítima. Moisés também advertiu sobre o falso testemunho (versículos 16-17). Se uma testemunha fosse descoberta mentindo, então “far-lhe-eis como cuidou fazer a seu irmão... vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé" (versículos 18-21) — ou seja, uma punição correspondente ao dano pretendido. Além disso, o propósito dessas punições severas também é explicado aqui, ou seja, servir como impeditivo para outros contra cometer crimes semelhantes (versículo 20). E, quando administradas corretamente, essas leis agiam como um ato dissuasivo.
Sob a dispensação do Novo Testamento, um cristão não deve matar ou ferir ninguém (Romanos 13:9-10) ou buscar qualquer vingança (Mateus 5:38-39; Romanos 12:19). Mas isso não significa que devemos desistir de corrigir algum erro, como tomar medidas disciplinares ou exigir restituição de algo.