Comentário Bíblico: Deuteronômio 21:22-22:30

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Comentário Bíblico

Deuteronômio 21:22-22:30

Preceitos de Justiça, Cautela e Santidade

Essa seção começa com instruções sobre a execução e exposição de um condenado (versículo 22). A propósito, “o enforcamento não era uma forma de execução praticada na antiga Israel (como relatam algumas versões da Bíblia). Na verdade, o cadáver do condenado era amarrado num madeiro para exibição pública após ser morto por apedrejamento. Assim todos saberiam que o indivíduo havia trazido culpa à comunidade. A exposição do cadáver era limitada a um dia. Aquele dia lembrava as pessoas do julgamento de Deus sobre o pecador" (Bíblia de Estudo Thomas Nelson, nota sobre Deuteronômio 21:22-23). ​​Então, um criminoso executado dessa forma tinha que ser enterrado antes do pôr do sol (Deuteronômio 22-23; Josué 8:29).

A exibição do cadáver do condenado num tronco de madeira era considerada uma "maldição" (Deuteronômio 21:23). Por isso é que José de Arimateia estava apreensivo para tirar Jesus da cruz e sepultá-Lo antes que começasse um novo dia, que era um Dia Santo (Mateus 27:57-61; Marcos 15:42-47; Lucas 23:50-54; João 19:38-42). Jesus, ao ser pregado na cruz, tornou-se "maldito" por nós — mesmo sendo inocente de qualquer crime ou pecado. Ele removeu a maldição (a pena de morte) pela transgressão da lei que havíamos trazido sobre nós mesmos por causa de nossa conduta pecaminosa (Gálatas 3:13; Romanos 6:23).

Essa passagem de Deuteronômio 22:1-4 dá exemplos práticos sobre como amar o próximo, como devolver algo achado que pertence ao nosso próximo. Devemos cuidar do objeto encontrado até ser devolvido a ele (versículos 1-3). Também devemos auxiliar o próximo quando ele necessitar de ajuda (versículo 4). E não devemos nos recusar a ajudar o próximo (Isaías 58:6-7). Em vez disso, precisamos carregar os fardos uns dos outros (Gálatas 6:2).

Deuteronômio 22:5 proíbe o travestismo. Um homem não devia usar roupas femininas e vice-versa, segundo as normas culturais da época. Essa proibição lida com o travestismo ou com uma conduta que pode aparentar que alguém esteja envolvido nessa prática. Esse mandamento não proíbe modas unissex — isto é, roupas que são culturalmente aceitáveis ​​para homens e mulheres. Também é preciso notar aqui que "no antigo Oriente Médio, vestir-se com roupas do sexo oposto era uma prática de feitiçaria destinada a causar danos às pessoas. Por exemplo, os rituais de um feiticeiro travestido de mulher que intencionava fazer os soldados do exército inimigo se sentirem fracos como mulheres" (Bíblia de Estudo Thomas Nelson, nota sobre Deuteronômio 22:5).

Os versículos 6-7 dizem respeito à preservação do meio ambiente e da vida selvagem — não se deve pegar os filhotes junto com a mãe deles, pois ela deve ser deixada livre para continuar reproduzindo e perpetuando sua espécie. E, obviamente, se apenas a mãe é que fosse capturada e deixado os filhotes, estes morreriam.

O versículo 8 é outra lei que demonstra preocupação com o próximo. Os telhados planos das casas antigas eram frequentemente usados ​​como cômodo adicional, especialmente durante a época do calor. Então, havia um perigo real de alguém cair acidentalmente da borda do telhado. Portanto, essa lei era para proteger os outros, exigindo que uma casa tivesse um parapeito ou grade ao redor da borda do telhado para evitar acidentes. Embora, hoje em dia, não usemos grades ao redor dos telhados nem andemos sobre ele, certamente colocaríamos grades ao redor de uma sacada ou deque muito alto. Na verdade, o princípio aqui é simplesmente se antecipar ao perigo em tudo que planejemos ou construímos para proteger os outros. Essa lei era simplesmente uma maneira prática de "amar o próximo como a si mesmo" (Levítico 19:18; Mateus 22:39) — tomar medidas razoáveis ​​para proteger os outros de ferimentos.

O versículo 12 repete a ordem de Números 15:37-41 de que sejam adicionadas borlas nos quatro cantos da roupa. Uma fonte comenta: "Para entender o significado da borla, precisamos primeiro entender o significado da bainha. A bainha de uma vestimenta antiga do Oriente Médio não era simplesmente uma dobra costurada para evitar que os fios do tecido se desfizessem. A bainha da vestimenta externa ou manto tinha um significado social importante. Geralmente era a parte mais ornamentada da vestimenta. E quanto mais importante o indivíduo, mais elaborado e ornamentado era o bordado na bainha de seu manto externo. A borla deve ser entendida como uma extensão da bainha... Assim, essa borla (assim como da bainha elaborada) era usada como identidade da nobreza. A exigência de um cordão azul nas borlas [ver Números 15:38] salienta ainda mais à noção de que essas borlas significavam nobreza porque a tinta azul usada para colorir esses fios era extremamente cara" ("Of Hems and Tassels [Bainhas e borlas]", revista Biblical Archaeology Review, Jacob Milgrom, maio-junho de 1983, pp. 61-62).

Essa descrição apoia o entendimento comum no judaísmo: "Nos tempos antigos, a realeza gentia usava franjas nas bainhas de suas roupas para indicar sua alta posição. A Torá instrui todos os judeus a usarem para se lembrarem de que são uma nação de sacerdotes e que Deus é o governante dela" (livro Rosh Hashanah and Yom Kippur, Malka Drucker, 1982, p. 48). Entretanto, o motivo bíblico declarado para o uso dessas borlas está em Números 15:39-40: "Para que o vejais, e vos lembreis de todos os mandamentos do SENHOR, e os façais... e santos sejais a vosso Deus". Talvez, ao lembrar aos israelitas que eles eram um sacerdócio real, as borlas também os lembrassem de que essa responsabilidade exigia obediência a Deus e permanência na santidade. Também poderia ser que essas borlas os lembrassem de que Deus tiro-os da escravidão e tornou-os um povo rico e abençoado — e que continuaria abençoando-os enquanto permanecessem fiéis a Ele.

Atualmente é o Espírito Santo que nos lembra da lei de Deus (João 14:26). O Espírito Santo não foi dado nem mesmo prometido à antiga Israel, por isso eles precisavam desses lembretes físicos (Deuteronômio 5:29). Mas sob os termos da Nova Aliança, esses lembretes físicos não seriam necessários, pois a lei de Deus está sendo escrita em nossos corações e mentes (Jeremias 31:33). É verdade que Cristo usava borlas (Mateus 9:20, a palavra traduzida como "orla" aqui e "bordas" em Deuteronômio 22:12 refere-se a bainhas com borlas, conforme descrito acima), mas Ele viveu Sua vida humana sob as regras do Antigo Testamento, incluindo os sacrifícios, as ofertas e os lembretes físicos.

Deuteronômio 22:13-30 discute as leis da moralidade sexual. Caso fosse descoberto que uma noiva havia se envolvido em imoralidade sexual ou fornicação antes do casamento, ela deveria ser apedrejada (versículos 20-21). E se a acusação de fornicação do noivo fosse comprovadamente falsa, ele teria que pagar uma multa à família de sua noiva e também não teria permissão para abandoná-la (versículo 19). Isso era feito para proteger a esposa, pois o marido deveria continuar sustentando-a.

Quando duas pessoas solteiras se envolviam em fornicação e eram descobertas, os fornicadores tinham que se casar (versículo 28), a menos que o pai da moça se recusasse a consentir com o casamento. Nesse caso, o homem que havia seduzido a virgem ainda tinha que pagar o "dote das virgens” (Êxodo 22:16-17). E se duas pessoas se envolvessem em adultério, ou seja, quando pelo menos uma delas era casada, então ambas deveriam ser apedrejadas (versículo 23). O conceito de adultério incluía até mesmo uma mulher "noiva", embora ainda não casada, pois ela já era considerada "esposa" do noivo (versículos 23-24).

E ainda havia a questão do estupro. Caso acontecesse na cidade uma relação sexual envolvendo uma mulher prometida e ela não gritasse por ajuda, isso era considerado adultério e não estupro, pois a mulher poderia ser ouvida por pessoas próximas dali se tivesse gritado, demonstrando assim sua discordância com aquele contato sexual. Por outro lado, se um estupro de uma mulher prometida ocorresse num campo isolado, onde seus gritos por ajuda seriam em vão, então o assunto era declarado como estupro e somente o estuprador seria executado (versículos 25-27).

Proibição contra misturas

Deuteronômio 22:9 proíbe semear uma vinha com diferentes tipos de sementes. O versículo 10 proíbe arar com um boi e um jumento juntos. E o versículo 11 proíbe usar roupas de materiais diferentes. Vamos examinar essas três proibições em mais detalhes.

A proibição de usar certas roupas, na verdade, é bem específica. Observe que esse impedimento de misturar lã e linho também pode ser visto em Levítico 19:19, que afirma claramente: "Veste de diversos estofos misturados não vestireis". A lã é um produto animal, enquanto o linho é um produto vegetal. Esse tipo de material não deveria ser combinado, pois resultaria em roupas de baixa qualidade.

Além disso, o Jamieson, Fausset & Brown Commentary (Comentário Bíblico de Jamieson, Fausset e Brown, em tradução livre) observa que pesquisas determinaram que a lã misturada com linho, às vezes, pode aumentar a eletricidade estática em roupas a ponto de causar erupções cutâneas em climas quentes (nota sobre Levítico 19:19). Assim, como essa proibição é muito específica, o tecido sintético não parece ser o problema aqui ou qualquer tecido parcialmente sintético e parcialmente lã ou parcialmente sintético e parcialmente linho. Também deve ser observado que a proibição diz respeito à mistura inadequada de um tecido específico. Aparentemente, não se proibiu usar lã e linho ao mesmo tempo ou como partes diferentes da mesma peça de roupa.

Talvez haja uma ambivalência no propósito de proibir semear diferentes tipos de sementes. Primeiro, isso pode ter sido "dirigido contra uma prática idólatra, a saber, a dos antigos zabianos, ou adoradores do fogo, que faziam a semeadura de diferentes sementes acompanhada de rituais de magia e invocações" (Jamieson, Fausset & Brown Commentary, nota sobre Levítico 19:19). Mas, evidentemente, essa lei foi dada também para evitar a polinização cruzada intencional ou não intencional de diferentes tipos de plantas, pois isso produziria híbridos abaixo do padrão. Esse mesmo comentário observa que "aqueles que estudam as doenças da terra e dos vegetais nos dizem que a prática de misturar sementes é prejudicial tanto às flores quanto aos grãos. ‘Se os vários gêneros da ordem natural Gramineae, que inclui os grãos e as gramíneas, forem semeados no mesmo campo e florescerem ao mesmo tempo, de modo que o pólen das duas flores se misture, uma semente espúria será a consequência, chamada de xadrez de agricultores. O resultado é sempre inferior e diferente de qualquer um dos dois grãos que o produziram, isso em tamanho, sabor e princípios nutritivos. Independentemente de contribuir para a doença do solo, eles nunca deixam de produzir o mesmo [resultado] em animais e homens que se alimentam deles'" (nota sobre Levítico 19:19).

Em outros exemplos, plantar pepinos ao lado de melancias afetaria o sabor de ambos. E da mesma forma, diversas espécies de melões não devem ser plantados perto de qualquer espécie de abóbora, pois se misturarão. Por outro lado, não há nada de errado em plantar ervilhas ou feijões entre o milho, ou plantar duas gramíneas de pasto juntas. Nesse caso, não há problema, pois cada semente continua a se reproduzir somente segundo sua própria espécie.

Contudo, o conhecimento científico de hoje proporcionou a hibridização planejada. Mas grande parte disso é controverso porque geralmente a maioria das "melhorias" ou benefícios também trazem desvantagens ou debilidades correspondentes. As plantas híbridas cultivadas para a alimentação humana muitas vezes provaram ser menos saudáveis.

Havia diversas razões para a proibição de juntar um boi e um jumento no arado. Uma explicação é que um boi é um animal limpo, enquanto um jumento é imundo. Além disso, foi demonstrado que o boi não tolera o cheiro de um jumento, de modo que ambos os animais não trabalham juntos harmoniosamente. Eles puxam o arado de forma desigual e, às vezes, até mesmo um contra o outro. O Soncino Commentary (Comentário Soncino) sugere que o "princípio subjacente é a prevenção da crueldade, uma vez que o jumento sofreria nessa combinação por ser mais fraco do que o boi". O Jamieson, Fausset & Brown Commentary expressa todo esse raciocínio ao afirmar: "Como o boi e o jumento são de espécies e características muito diferentes, então não era possível associá-los tranquilamente nem os unir passivamente para puxar um arado ou uma carroça. O jumento é muito menor e seu passo mais curto, portanto haveria um descompasso entre eles. Além disso, o jumento, por se alimentar de ervas daninhas grosseiras e venenosas, tem um hálito fétido, que seu companheiro de jugo procura evitar porque, além de ser venenoso e prejudicial, pode causar magreza ou, se consumido por muito tempo, até morte. Portanto, o boi manteria sua cabeça sempre afastada do jumento e acabaria puxando o arado apenas com um ombro" (nota sobre Deuteronômio 22:10).

Tudo isso serve certamente para ilustrar um princípio espiritual mencionado pelo apóstolo Paulo no Novo Testamento. À luz de tudo o que foi exposto, talvez possamos entender melhor o ponto de vista de Paulo em 2 Coríntios 6:14, onde ele diz: "Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos" (ARA). Aliás, essa lição se encontra não apenas nas regras sobre a aração da terra, mas também naquelas que dizem respeito a sementes e tecidos. Além de terem valor no reino físico, esses preceitos também ilustram uma verdade espiritual para os cristãos: Nunca se misturar com este mundo.