Comentário Bíblico
Deuteronômio 24:1-25:4
Divórcio e Solidariedade
Por causa da dureza dos corações dos israelitas, Moisés permitiu o divórcio — embora Cristo tenha explicado mais tarde que não foi assim "desde o princípio". E para os cristãos existem poucos motivos válidos para o divórcio: Fraude pré-marital, imoralidade sexual durante o casamento e abandono da parte de um cônjuge inconverso (Mateus 19:3-9; 1 Coríntios 7:12-15). Aliás, em Mateus 19, Cristo estava aparentemente explicando que as pessoas estavam aplicando as palavras de Deuteronômio 24:1-4 de forma muito liberal, usando esse argumento para se divorciar da esposa por praticamente qualquer motivo. Na verdade, no tempo de Cristo, nem era necessário declarar um motivo, pois bastava o marido dizer à esposa, diante de testemunhas, que iria se divorciar dela.
Contudo, nessa tradição corrupta, as esposas não tinham a mesma liberdade de fazer isso. Embora fosse uma concessão à fraqueza humana, esse escrito de repúdio entregue à esposa, cujo marido se divorciou dela injustamente, servia como uma permissão para ela se casar novamente e continuar sendo sustentada (versículo 2). Entretanto, se o outro casamento dela terminasse em divórcio ou viuvez, o primeiro marido não tinha permissão para recebê-la de volta, pois ela foi esposa doutro homem nesse intervalo de tempo. A propósito, essa lei ainda é válida hoje.
Os versículos 6 e 10-13 exigem misericórdia e compaixão por uma pessoa pobre que teve que dar algo em garantia por uma dívida. E o credor não tinha permissão para aceitar determinados objetos como garantia (versículos 6, 17). Ademais, ele deveria devolver antes do pôr do sol aquilo que recebeu de uma pessoa pobre como garantia (versículos 12-13). O credor também não tinha o direito de entrar na casa de uma pessoa pobre sem sua permissão para apanhar algo como garantia (versículo 10), preservando assim a privacidade pessoal e a dignidade dela. Embora uma pessoa pobre pudesse se encontrar temporariamente numa situação financeira difícil, ela ainda era feita à imagem de Deus, sendo um membro potencial da própria família divina e, portanto, deveria ser tratada com respeito.
Nesse mesmo contexto, um empregador deveria pagar o salário de seu empregado em dia. Nos tempos antigos, empregados ou servos contratados eram pagos diariamente, e Deus declara ser "pecado" não fazer isso — independentemente de o empregado ser israelita ou estrangeiro (versículos 14-15). O princípio aqui diz respeito ao contratante pagar aos empregados conforme a periodicidade combinada entre ambos.
O versículo 16 estabelece um princípio importante: "Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos, em lugar dos pais; cada qual será morto pelo seu pecado" (ARA). Todos somos individualmente responsáveis pelo que fazemos. Os pais devem ensinar aos filhos, mas estes devem tomar sua própria decisão. E isso também é verdade quanto aos filhos convertidos ensinarem o caminho de vida de Deus aos pais inconversos, que são responsáveis por decidir aceitar ou rejeitar essa verdade.
Os versículos 19-22 abordam novamente a conduta compassiva — dessa vez de proprietários de terras para com os pobres. Em vez de colher gananciosamente até o último feixe de espigas ou até a última uva ou azeitona do campo, Deus ordenou a generosidade. Assim, parte da colheita deveria ser deixada para o estrangeiro, o órfão ou a viúva, ou seja, os pobres da terra, "para que o SENHOR, Teu Deus, te abençoe em toda a obra das tuas mãos". E Deus lembra a Israel que eles também tinham sido escravos na terra do Egito, onde uma lei como essa lhes traria muita alegria (versículo 22).
E Deuteronômio 25:1-3 exige justiça no tribunal. Uma pessoa perversa deve ser condenada e uma pessoa justa deve ser absolvida. Na antiga Israel, infligir dor física a um criminoso condenado não era considerado desumano, cruel ou incomum. Na verdade, isso servia para satisfazer a exigência da vítima por algum senso de justiça, para dissuadir outros de cometerem crimes e para enfatizar ao próprio criminoso o fato de que o pecado e o crime resultam em dor e sofrimento. Diante disso, podemos questionar se seria mesmo mais "humano" trancafiar um criminoso condenado por meses ou anos em uma minúscula cela, enjaulando-o como um animal.
Entretanto, Deus cuidou para que o ofensor não fosse "humilhado" aos olhos de Israel quando recebesse a punição — o número máximo de golpes não poderia exceder quarenta. Assim, ao invés de desumana, essa lei reconhecia a pessoa culpada como um ser humano, cuja dignidade deveria ser preservada. Em outras nações, as pessoas às vezes eram espancadas para que confessassem algo (Atos 22:24). Mas isso não era permitido pelo código de leis de Deus. Essa punição era aplicada somente depois que a culpa da pessoa fosse confirmada.
O versículo 4 de Deuteronômio 25 ensina a compaixão pelos animais. Um boi deveria ser alimentado mesmo durante seu trabalho. Aliás, impedir um animal de consumir sua comida é frustrante e torturante para o animal. Ademais, permitir que o boi comesse os grãos dos cereais que ele estava pisando, tinha o benefício prático de mantê-lo envolvido em seu trabalho. Esse princípio tem aplicações práticas também no reino humano. Mais tarde, Paulo aplicaria isso ao ministério, que, por seu serviço, deveria ter suas despesas de subsistência pagas com os dízimos e ofertas coletados dos membros e apoiadores da Igreja. (1 Coríntios 9:7-11). Pois isso também lhes permitiria dedicar mais tempo às suas responsabilidades ministeriais e não a um trabalho externo.