A União Soviética: O Sonho e a Realidade

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A União Soviética: O Sonho e a Realidade

Em 26 de dezembro de 1991, acordei em um estado de descrença. No dia anterior, o presidente soviético Mikhail Gorbachev, o oitavo e último líder da União Soviética, renunciou e entregou o poder ao presidente russo, Boris Yeltsin. Naquela noite às 19h30, a bandeira soviética foi arriada do Kremlin pela última vez e substituída pela bandeira russa pré-revolucionária.

Pela primeira vez em 69 anos — desde 30 de dezembro de 1922 — a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) não mais existia. Suponho que o choque seria como acordar numa manhã e descobrir que os vinte e seis Estados haviam declarado a independência dessa união Federal Brasileira.

O país não existe mais? Todo o nosso país, a nossa vida e a nossa cultura se baseavam no socialismo marxista. E começou com a Revolução Russa de 1917 e a subsequente Guerra Civil Russa de cinco anos.

Uma revolução que mudou a história mundial

O partido bolchevique, sob o comando de Vladimir Lênin, dominou as coalizões dos comitês de trabalhadores e soldados (conhecidos como sovietes) que pediam o estabelecimento de um estado socialista no antigo Império Russo. Na URSS, todos os níveis de governo eram controlados pelo Partido Comunista. E o politburo do partido, com seu cada vez mais poderoso secretário geral, efetivamente, governava o país. A indústria soviética era controlada e administrada pelo Estado e as terras agrícolas eram divididas em fazendas estatais coletivas.

A Revolução de Outubro de 1917 teve um enorme impacto na história mundial, particularmente no desenvolvimento social e econômico do mundo. Na verdade, uma influência dual:

Primeiro, a revolução deu origem a um novo Estado socialista, a República Soviética da Rússia e, após uma guerra civil, emergiu a União Soviética. Antes disso, não havia Estados socialistas.

Com a revolução veio o sistema de partido único e a introdução de uma economia planejada. Em 1917, a economia russa estava arruinada. As duras condições da Primeira Guerra Mundial e a falta de empenho do czar, Nicolau II, para mudar a situação a favor do povo, levaram a uma revolta.

A base de poder dos bolcheviques eram os trabalhadores dos grandes centros industriais. O primeiro decreto foi "Sobre a Paz", que retirou a Rússia da guerra. O segundo decreto, "Sobre a Terra", que transferia lotes de terras para as mãos dos que as cultivavam — os camponeses.

Assim, desde o começo, os bolcheviques conquistaram o coração das massas. A Revolução Russa foi considerada um triunfo da classe trabalhadora pobre sobre seus patrões ricos. A URSS estabeleceu o dia de trabalho de oito horas, deu às mulheres o direito ao voto, instituiu a assistência médica gratuita, as pensões e a assistência social aos idosos e definiu como objetivo eliminar o analfabetismo.

O segundo e grande efeito da revolução e da formação da URSS foi que o nascimento desse sistema influenciou fortemente o desenvolvimento social e econômico nos países ocidentais e, indiretamente, levou ao surgimento de Estados do Bem-Estar Social.

Como? Isso mesmo. A burguesia europeia percebeu que, se não fizessem concessões ao movimento operário, uma explosão semelhante à ocorrida na Rússia poderia acontecer em seus próprios países. Por sua vez, muitos socialistas europeus, vendo as consequências da Revolução de outubro, começaram a lutar pelos direitos dos trabalhadores. Em última análise, essa luta dos trabalhadores levou ao surgimento desse modelo de Estado do Bem-Estar Social, que agora domina a Europa.

O objetivo inicial de prover para todos

Foi dito que a União Soviética estava criando um paraíso para os trabalhadores. Todos deveriam ser tratados de forma igual e a riqueza deveria ser compartilhada. O problema é que quando as pessoas consideram tudo como deles, então podem até justificar o roubo porque, afinal de contas, tudo pertence ao povo. Também não há nenhum incentivo para trabalhar com afinco. Aqueles que se esforçam conseguem mais trabalho, ao contrário daqueles que não são esforçados.

Além disso, a centralização do planejamento da economia não se baseia em concorrência ou eficiência quanto a fornecer o que as pessoas realmente desejam, por isso era um sistema enganoso. Os responsáveis queriam apenas relatórios econômicos positivos. Portanto, a produção nem sempre eram reais. Os números eram modificados para deixar todas as instituições, fábricas, fazendas ou as forças armadas bem vistas. E não importava se você empregasse trinta trabalhadores para produzir algo que bastava apenas de um.

E, é claro, o roubo no ambiente de trabalho era uma maneira comum de compensar os baixos soldos. A escassez de muitos produtos básicos levou ao surgimento de um enorme mercado negro. Com a indisponibilidade, as pessoas comuns eram forçadas a viver de forma muito rudimentar. O fato de não participar do materialismo da "sociedade de consumo" do Ocidente não era uma livre escolha, mas uma restrição totalitária do governo.

O "paraíso dos trabalhadores" tinha contrastes e entrava em conflito com outro ideal: O bem-estar do país vinha antes do que o de qualquer uma pessoa individualmente.

As pessoas estavam muito orgulhosas de seu país; elas realmente o amavam. Stalin foi capaz de justificar sua cruel ditadura como um simples meio de promover a revolução e ajudar os trabalhadores. A ascensão da KGB, a agência de segurança e inteligência do Estado, incluiu esforços massivos de propaganda para controlar a informação e justificar as ações de Stalin.

Novamente, uma cultura de engano tomou de conta do sistema. A verdade era alterada ou escondida se tivesse alguma falha. Mesmo se alguém de um nível inferior tenha trazido um relatório negativo, à medida que isso fosse passando pela cadeia de comando, esse relatório ia sendo processado e modificado para tornar-se aceitável. Um relatório inaceitável poderia significar uma viagem à fria e distante Sibéria ou ao desaparecimento do responsável. Especialmente na época de Stalin, quanto mais perto você chegava do topo, mais vulnerável você ficava por causa da paranoia dele.

A vida na União Soviética

Claro, as experiências de todos nesse vasto império não eram as mesmas. Eu vivi na União Soviética por quarenta e um anos, e a maioria de minhas lembranças de vida são muito boas. Eu cresci em uma família muito amável, carinhosa e inteligente. Vivíamos perto do centro da cidade de Gomel, na Bielorrússia ("Rússia branca"), que faz fronteira com a Polônia e a Ucrânia.

Nossos vizinhos eram amigáveis e orientados à família. As crianças brincavam nas casas umas das outras e os pais cuidavam delas. Nunca vi ninguém se embriagando ou sendo mal educado. Depois de adulta, fiquei sabendo que algumas pessoas que cresceram nos bairros da fábrica enfrentaram esse tipo de problema, mas eu mesmo nunca vi isso acontecer.

Eu tive uma infância muito feliz, e como minha mãe era dona de casa e meu pai um piloto aposentado da força aérea, então eles passavam muito tempo comigo. Eles me deram o seu tempo e o seu amor. Quase todos os dias nós saíamos para visitar museus, parques, rios e florestas. E também tivemos uma pequena dacha, uma casinha de campo (sem eletricidade) com uma horta. Nós fazíamos conservas de frutas e vegetais para o inverno. Quando pequena, lembro-me de estar sentada sob uma árvore comendo um balde cheio de cereais. O sabor era sublime!

Meu pai aprendeu a cultivar uma horta lendo livros. Ele era um leitor voraz. Crescemos com muitos livros sobre artes, ciências e, especialmente, geografia. Ele também era fanático por notícias. Ouvíamos o rádio várias vezes ao dia. Evidentemente, as notícias sempre eram boas — boas noticias na agricultura, boas notícias sobre o progresso na indústria e na tecnologia espacial, tudo estava indo muito bem.

A única má notícia era sobre o que acontecia no Ocidente. Os Estados Unidos eram nosso inimigo, e a notícia era propaganda. Nunca imaginei que um dia me mudaria para o Ocidente. Estávamos isolados do mundo lá fora e convencidos de que vivíamos no melhor país do mundo, que só tinha coisas boas.

Crescer na URSS significava não ter nenhuma crença em Deus. Nunca lemos a Bíblia, nunca fizemos uma oração. Na verdade, uma das músicas mais populares declarava que nosso sucesso não era devido a heróis ou a Deus, mas ao poder das próprias pessoas.

Ainda assim, cresci sob um forte sistema moral. Olhando para trás, eu acho que isso era um legado da Igreja Ortodoxa Russa, e não a um fundamento de total descrença em Deus. A partir do ensino fundamental, nós aprendíamos sobre valores morais. Nós formávamos grupos de jovens, um pouco parecido com os escoteiros, que tinham o objetivo de tirar boas notas, andar asseados e bem vestidos, demonstrar respeito aos idosos e amar o país.

Ficávamos envolvidos em projetos comunitários, como limpar as salas de aula da escola ou decorar os túmulos de soldados mortos em batalha. Mais tarde, quando chegávamos aos onze anos de idade, nos uníamos aos Jovens Pioneiros, e, novamente, nos ensinavam exaustivamente a ter uma boa conduta moral e amor pelo país.

Medalhas de honra e orgulho pelo progresso da nação

E no grupo de Jovens Pioneiros, todos nós usávamos lenços vermelhos na escola. Estávamos muito orgulhosos disso. Em casa todos os dias, colocávamos os lenços — eram de seda — para ficarem lindos e arrumados. Todos os meus colegas de classe eram recebidos solenemente nesse grupo no Palácio dos Pioneiros, que antes esse chamava Palácio do Príncipe Paskevich, um dos comandantes militares mais famosos da Rússia do século XIX.

Aconteceu que um menino da nossa turma não era um bom aluno e, portanto, não foi aceito no grupo dos pioneiros. Isso era algo vergonhoso, e ele ficou muito chateado. Eu até lembro-me do dia em que alguém colocou o lenço em mim e de como eu fiquei feliz e entusiasmada por, finalmente, ser membro dos Jovens Pioneiros.

Mais tarde, eu estava entre os primeiros cinco ou seis alunos, dos cento e dez alunos da mesma faixa etária, escolhidos para a Komsomol ou a Liga Jovem Comunista. O comitê regional realizou um teste especial para a admissão. Uma comissão de várias pessoas se revezava fazendo perguntas a cada um de nós. Perguntavam sobre nossos estudos e comportamentos (embora tivessem a ficha completa de cada um), a história da URSS, a história da Segunda Guerra Mundial, a política mundial e assim por diante. Estávamos todos preocupados de não sermos aceitos no grupo.

Mas, enfim, todos nós ganhamos um broche com a imagem de Vladimir Lênin. A partir desse ponto, paramos de usar gravatas de Pioneiros e só usávamos o distintivo do Komsomol. No dia seguinte, eu fui à escola muito feliz e orgulhosa por ter sido nomeada membro do Komsomol.

Todos nós estávamos muito orgulhosos do nosso país — de Yuri Gagarin, o primeiro homem no espaço, de nosso balé, de nossos teatros e cinemas, de nossas conquistas nos esportes mundiais, da grande contribuição de nosso país na vitória da Segunda Guerra Mundial e muito mais.

Havia muita pressão na área da educação. Era oferecida a tutoria extraescolar de professores, sem nenhum custo para os alunos, e os que eram mais brilhantes e mais esforçados recebiam uma atenção especial. Em todo o sistema educacional, inclusive na universidade, era gratuito e tinha dormitórios disponíveis. E quem passasse nas provas, recebia um salário para viver. Quanto mais brilhante você era na escola, mais dinheiro você ganhava. Meu irmão, que estudava para conseguir um PhD em economia, tirou nota máxima em tudo e ganhou a Bolsa de Estudos Lênin, a qual era semelhante às bolsas de engenharia.

A nostalgia da segurança e do sustento vitalício

Uma das razões pelas quais muitos que viveram na União Soviética olharam para trás com nostalgia é que todos — os doentes, os idosos e os pobres — tinham certa segurança ao longo de toda a vida na medida em que o orçamento do Estado suportasse. Ao contrário do Ocidente, você não precisava se preocupar com o desemprego, pois havia certa garantia de assistência médica, educação, custeio básico com comidas e roupas, alguns itens como televisores e rádios, a aposentadoria ou pensão. Aqueles que olham para trás com essa nostalgia enxergam uma vida sem estresse econômico.

É difícil para pessoas de uma sociedade de livre mercado, como a nossa no Ocidente de hoje, entender a moral subjacente do comunismo. O Estado era o empregador. Você poderia ter uma parcela de terra e cultivar alimentos para seu próprio consumo ou para vender. Porém, era visto como imoral o fato de adquirir algo que outra pessoa fez e revendê-lo com fins lucrativos. Não havia ênfase na qualidade. O importante era a quantidade. Todos tinham roupas, bens manufaturados e o necessário para a subsistência.

Ao longo dos sessenta e nove anos da União Soviética, as pessoas ficaram muito unidas e quase sempre tentavam ajudar umas as outras e faziam coisas boas para o país. Havia um espírito de fraternidade.

Meu pai nasceu em 1916. Ele era o mais velho de três filhos em uma família que vivia em um pequeno vilarejo. Quando ele tinha cinco anos, seu pai morreu de pneumonia. Foi um momento difícil, mas o sistema soviético pagou os estudos dos três filhos. Então, dois tornaram-se pilotos da Força Aérea, e um professor. Todos receberam educação universitária.

A triste realidade

Ao mesmo tempo, o governo omitia informações ou mentia para nós e isso trouxe muitas consequências ruins. Por exemplo, eu vivia a noventa e seis quilômetros de Chernobyl quando o reator nuclear explodiu. Mas só descobrimos isso duas semanas depois, porque os cientistas ocidentais ficaram alarmados com a crescente taxa de radiação em seus países.

As correntes de ventos levaram partículas radioativas para todo lado. Eu e meu filho de três anos consumimos alimentos e leite contaminados. Houve um grande aumento na taxa de câncer de tireoide.

O governo da Bielorrússia ainda seguia negando o perigo patente. As fortes concentrações de radiação ainda permanecem nas florestas de Chernobyl. Toda vez que há um incêndio florestal, o vento sopra cinzas radioativas sobre minha cidade natal, Gomel, e muito além. Na região de Gomel, que tem uma população de 1,4 milhões, as mortes por câncer sofrem um aumento de mil pessoas todo ano. Ou seja, se este ano morrerem cinco mil, já no próximo morrerão seis mil e assim por diante.

Hoje, apesar de ainda eu ter nostalgia de minha vida na URSS, se alguém me perguntar se eu a quero de volta, a resposta é não.

Por que o comunismo falhou quando pretendia proporcionar abundância a todos? Um amigo, um professor de química que cresceu na União Soviética, explicou desta forma:

A Revolução Bolchevique foi baseada no ideal de justiça social. Começou com muitas pessoas revolucionárias, românticas e sonhadoras. Mas pouco tempo depois, os revolucionários pragmáticos assumiram e mataram os sonhadores. Eles tomaram o poder e introduziram seu próprio conceito de justiça social. Quando os governantes lutam pelo poder, eles precisam entregar algumas afirmações retóricas quanto à justiça social ou as pessoas não os apoiarão. Mas, no fim, os pragmáticos sempre tomam o poder dos sonhadores.

Meu amigo observou que, após uma revolução, a sociedade retorna a um estado de normalidade e ordem, então os revolucionários usam a força bruta para permanecer no poder.

No entanto, é preciso entender que, antes de tudo, até mesmo o sonho dos comunistas sonhadores era fundamentalmente errado. Não era errado almejar por um mundo que garantisse sustento e assistência a todos. Mas buscar alcançar isso através do sequestro estatal de bens e riquezas, como fizeram os pensadores comunistas, significa transgredir, em larga escala, os mandamentos de Deus contra o roubo e a cobiça. Qualquer empreendimento desse tipo já nasce condenado ao fracasso.

Felizmente, um mundo está se aproximando de um tempo onde todas as pessoas vão ter segurança e assistência através da obediência às leis de Deus, em vez de tentar em vão alcançar uma utopia transgredindo essas leis.