Jogar a 'Carta do Pai'
Há algum tempo atrás a minha filha adulta escreveu-me a pedir para eu jogar o que ela chamava a “carta do pai.” Se o leitor conhecesse a minha filha de espírito livre, perceberia que isto acontece muito raramente. Ela transformou-se numa jovem mulher confiante e capaz de gerir a sua própria vida, onde quer que ela esteja.
Ela confidenciou-me mais tarde que a sua confiança advém do facto que ela tem a “carta do pai” na manga que pode ser jogada na eventualidade de ela vir a precisar dela.
A “carta do pai” definida
A “carta do pai” simboliza a relação forte que deve existir entre cada pai e filha – uma relação que lhe concede a convicção absoluta de que ela pode invocar o nome do seu pai e a sua autoridade inerente para pedir protecção, conforto ou segurança ao sentir-se ameaçada ou em caso de necessidade.
É uma relação que deve ser construída ao longo do tempo; é uma relação que será posta à prova durante os anos turbulentos da adolescência. A força da relação é vital para o seu desenvolvimento e maturidade porque estudos indicam repetidamente que você como pai é mais importante para a sua filha do que qualquer outro homem.
Nesse dia teve importância e ela jogou a “carta do pai”. Esta experiência fez com que eu pensasse mais profundamente sobre a importância contínua da relação entre um pai e a sua filha. Damos nós valor a esta relação? Mais importante ainda, para mim, teria eu dado atenção contínua suficiente à relação?
O profeta Malaquias destaca a importância da relação entre pai e filha nos nossos tempos ao profetizar que “o coração dos pais” deve voltar-se para “os filhos” e “o coração dos filhos aos seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição” (Malaquias 4:6).
Certamente que o coração dos pais deve concentrar-se em todos os seus filhos, mas este artigo foca a relação entre pai e filha. As maldições referidas por Malaquias são as consequências naturais que resultam da violação ou abandono dos princípios eternos contidos nas instruções reveladas por Deus – “Lembrai-vos da lei de Moisés,” Malaquias exorta os seus ouvintes dos tempos do fim (Malaquias 4:4).
Para todos os pais do século XXI que procuram uma relação forte com a sua filha ou filhas, dois livros são indispensáveis: A Bíblia e um livro recente escrito pela pediatra Meg Meeker, Strong Fathers, Strong Daughters [Pais Fortes, Filhas Fortes].
A Bíblia contém princípios eternos que, ao serem aplicados correctamente, equiparão a sua filha para ser bem sucedida no nosso mundo complexo. O livro sincero e simples da Dra. Meeker confirma a sua validade contemporânea da perspectiva de um médico.
As boas notícias, apesar da cultura contemporânea, são que você pode ter uma influência significativa no desenvolvimento e sucesso da sua filha. De facto, a investigação e os anos de experiência clínica da Dra. Meeker confirmam que você pode bem ser a pessoa com maior influência sobre a sua filha.
Nenhum pai dedicado pode olhar para dentro do berço da sua filha recém-nascida ou olhar nos seus olhos nos anos vindouros sem um sentido de orgulho que desperta instintos protectores no seu íntimo. Também pode despertar graves sentimentos de incapacidade para lidar com a tarefa em mãos. Ainda assim, a Dra. Meeker afirma, e a Bíblia confirma, que é uma tarefa que pode ser dominada – não de forma perfeita mas, mesmo assim, não sem grande influência positiva.
Um modelo exemplar para o pai
A Bíblia é um livro sobre relações familiares. Até descreve a salvação em termos familiares: “E eu serei para vós Pai e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor todo-poderoso” (II Coríntios 6:18).
O compromisso de Deus para com a Sua família é eloquentemente exposto na que é talvez a passagem mais citada de sempre na Bíblia: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho unigénito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna (João 3:16)”.
Pais, se querem que as vossas filhas sejam suficientemente fortes para enfrentar os muitos desafios do nosso mundo contemporâneo, então vocês devem amar suas filhas tanto quanto Deus vos ama e vocês devem estar dispostos a dar de vós mesmos por elas.
A sua filha precisa que você a ame com carinho e com firmeza. Por outras palavras, você deve ser suficientemente forte para a proteger do seu meio – e por vezes de si mesma – porém suficientemente sensível para a abraçar e ouvi-la quando ela precisa do seu toque sensível.
Difícil de fazer? Com certeza que sim! Expectativas demasiado altas? Talvez. Impossível no nosso mundo contemporâneo? Eu não acho – o Dr. Meeker também não e Deus, que criou a relação inicialmente, também não.
Qual é o plano de Deus?
No princípio Deus disse, “Portanto deixará o varão o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” – com o propósito de povoar a terra (Génesis 2:24). A humanidade foi criada para construir relações familiares, para ter filhos e encorajar e ajudá-los a desenvolver para o propósito claro de permitir a Deus através de Jesus Cristo a trazer muitos à glória – para a salvação no Seu Reino (Hebreus 2:10).
Deus espera que os pais desempenhem um papel fundamental no Seu grande plano. A Bíblia define claramente a família como uma unidade liderada por um pai e uma mãe com o pai a ocupar o papel de liderança principal.
O apóstolo Paulo oferece orientação que é essencial para construir uma relação entre pai e filha: “E vós, pais, não provoqueis a ira a vossos filhos, mas criai-os na doutrina e admoestação do Senhor.” (Efésios 6:4).
Ensinar princípios, sem provocação
A admonição de Paulo para usar um estilo de educação dos filhos que fomenta em vez de provocar é particularmente importante para construir uma relação forte entre pai e filha. Para além disso, ela define Deus como a fonte para o “fomento e a admonição”. Isto estabelece um marco de referência muito alto mas deixa claro o facto de que a relação entre um pai e a filha deve ser construída com base nos princípios de Deus.
É indiscutível que Paulo conhecia a instrução clássica sobre educar filhos dada por Deus através de Moisés cerca de 1.500 anos antes: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; E as intimarás a teus filhos, e delas falarás assentando em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te” (Deuteronômio 6:6-7).
As “palavras” mencionadas nesta passagem – resumidas nos Dez Mandamentos – constituem a base para uma vida de princípios que vai contra a nossa cultura contemporânea de lascívia e permissividade. No entanto, estes princípios eternos criam fronteiras protectoras para a família e a relação entre pai e filha.
Um elemento chave nesta passagem é a instrução dada ao pai de que estes princípios deviam primeiro “[estar] no teu coração.” Uma das regras base para instilar estes princípios com sucesso na sua filha sem provocação é que você mesmo deve estar convicto desses princípios. Se manter os seus princípios, a sua filha considerá-lo-á um herói. Se tentar instilar na sua fila princípios dos quais não está convicto, você torna-se num hipócrita.
O poder de um forte exemplo
A Dra. Meeker enumera ensinar a sua filha quem Deus é como um dos dez segredos que todos os pais deviam de saber sobre como construir uma relação forte com as suas filhas.
Ela relata uma estória engraçada sobre Heather, uma doente que veio fazer um exame médico de rotina antes de ir para a universidade. A Heather estava emocionada com a possibilidade de aprender espanhol para poder trabalhar num orfanato. À pergunta da Dr. Meeker sobre por quê o espanhol, a Heather respondeu:
“Bem, Dra. Meeker, eu sei que vai achar isto um pouco disparatado e talvez não lhe faça sentido, mas, bem, é que, todas as manhãs, o meu pai e eu somos os primeiros a levantar-nos lá em casa . . . O meu pai tem muita fé. É por isso que ele se levantava tão cedo todas as manhãs para orar e ler a Bíblia.
“O meu pai é um homem feliz, mas ele não é dessas pessoas que fala com toda a gente. Por vezes ele falava-nos sobre Deus, mas a maior parte das vezes ele gostava de pôr em prática o que ele tinha aprendido da sua leitura matinal da Bíblia. De qualquer forma, todos os dias eu ia para a escola, sentia-me mesmo bem sabendo que o meu pai se tinha sentado na sua cadeira e, tenho a certeza, orado por mim nesse dia.
“Não tenho palavras para lhe dizer o quão bem aquilo me fazia sentir. De alguma forma, eu sei que ajudar as pessoas pobres, principalmente crianças pobres, lhe traria muita felicidade. Quer dizer, ele quer que eu faça o que eu quero fazer, mas eu quero mesmo ser como ele. Ele faria o mesmo. E, sabe que mais, Dra. Meeker, eu quero saber o que o meu pai sabe sobre Deus. Eu acho que trabalhar num orfanato poderá ser uma boa maneira de o fazer" (Strong Fathers, Strong Daughters, 2006, pp. 191-192).
Esta estória demonstra a influência poderosa que um pai genuinamente empenhado nos seus princípios pode ter na sua filha. Este pai, intencionalmente ou involuntariamente, seguia as instruções em Deuteronômio para ensinar princípios: “assentando em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te.”
As observações da Dra. Meeker ao longo da sua carreira médica confirmam a eficácia desta abordagem na relação entre pai e filha: “Quando ela está na sua companhia, a sua filha esforça-se por se exceder. Quando você a ensina, ela aprende mais rapidamente. Quando você a guia, ela ganha confiança.
“Se você entendesse inteiramente o quão profundamente você pode influenciar a vida da sua filha, você ficaria aterrorizado, estupefacto, ou ambas as coisas. Nem namorados, nem irmãos, nem mesmo maridos, podem moldar o seu carácter da maneira que você o faz. Você irá influenciar a sua vida inteira porque ela atribui-lhe uma autoridade que ela não atribui a nenhum outro homem" (p. 8).
De acordo com a Dra. Meeker, muitos pais acham erroneamente que têm pouca influência sobre as suas filhas, particularmente durante os anos de adolescência. Isso não é de todo verdade. Se a sua relação é forte – e mesmo que não seja – a sua filha necessita da sua atenção e influência. Dê-lhas todos os dias.
Ame-a com carinho
Você é o primeiro homem na vida dela, e como tal ocupará um lugar que nenhum outro ocupa. Expressar amor em palavras como também em obras é fundamental para construir uma relação forte. O tempo e o contacto físico são muito importantes para a sua filha.
Jesus Cristo disponibilizou tempo e fez contacto físico com as crianças que vieram ter com Ele: “Trouxeram-lhe então alguns meninos, para que sobre eles pusesse as mãos, e orasse; mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, disse: Deixai os meninos, e não os estorveis de vir a mim; porque dos tais é o reino dos céus. E, tendo-lhes imposto as mãos, partiu dali” (Mateus 19:13-15).
Desde os tempos de juventude da sua filha que ela necessita muito do seu afecto. Isto continua à medida que ela vai crescendo: “Os pais muitas vezes acham que as suas filhas adolescentes querem ser deixadas em paz e não querem ser abraçadas. Isto não é verdade – de facto, não podia estar mais errado. Ela precisa do seu toque durante estes anos ainda mais do que quando ela tinha cinco . . . Seja apenas pai: tenha confiança, defenda-a e dê-lhe apoio, e não se coíba de a abraçar” (p. 96)
O seu amor também deve ser articulado em palavras e gestos simbólicos. A Dra. Meeker sugere escrever notas expressando o seu orgulho e amor. Tal como com o afecto físico, isto torna-se ainda mais importante durante os anos de adolescência até à idade adulta.
No meu caso, eu reflecti muito sobre como eu poderia comunicar de maneira eficaz o meu apoio e sentimentos à minha filha prestes a tornar-se adolescente.
Por fim, tive uma ideia. Eu levei a minha filha a um bom restaurante no seu décimo terceiro aniversário para lhe oferecer um presente de “início da adolescência” que tinha adquirido depois de muita reflexão. Era um medalhão dourado na forma de um coração com um colar dourado que era para ela usar. Vinha com uma chave dourada correspondente que eu guardaria.
O seu coração, disse-lhe eu, era muito precioso e necessitava de ser protegido. Nos anos vindouros, à medida que ela se ia tornando numa mulher jovem e atraente, eu expliquei, homens e rapazes – alguns bons e alguns maus – começariam a competir pelo coração dela. O medalhão servia para lembrá-la do valor do seu coração e que, para sua protecção, eu detinha a chave para o medalhão. Quando o homem certo surgisse, eu assegurei-lhe, ele teria coragem suficiente para me vir pedir a chave.
Para alegria minha, a apresentação teve o efeito desejado – ela adorou. Três anos mais tarde eu ampliei o nosso acordo simbólico com um diamante e um poema. Outras jóias vieram e foram, mas o colar com o medalhão dourado em forma de coração tornou-se numa peça permanente do seu guarda-roupa – usado todos os dias durante a escola e a universidade até à idade adulta.
Expressões de afecto e apoio são oportunidades preciosas que pais não podem deixar de perder porque constroem uma relação que será capaz de enfrentar os períodos de tempestade que certamente se avizinham. Contudo, quando os tempos difíceis vierem, a relação forte triunfará.
Ame-a com firmeza
A parte difícil em se ser pai é saber como e quando amar a sua filha com firmeza – mas isso também faz parte da sua função e a sua filha conta com isso e necessita disso. Ela precisa de saber que você estará lá durante os tempos difíceis, a puberdade, as atitudes más e tudo o mais.
Haverá alturas em que ela irá testar a sua determinação - você é pai dela e deve ter os seus melhores interesses em mente e protegê-la de si mesma e dos seus pares. Você deve dar-lhe liberdade suficiente para ela aprender e protecção suficiente para evitar danos irreparáveis.
O Dr. Meeker relata a estória de outra doente, a Chelsea de 16 anos, que queria ir ao cinema com o seu namorado de 17 anos. O seu pai disse-lhe sabiamente que ela podia ir mas que teria que responder a algumas perguntas dele. Ele perguntou-lhe o que ela faria se o seu namorado, em vez de irem ao cinema, lhe convidasse a ir ao cinema ao ar livre. Ela respondeu que iria.
E se ele tirasse da bagageira uma dúzia de cervejas. Ela beberia? Ela iria de carro com ele se ele se embebedasse? Não, disse ela, ela não beberia e ela telefonaria para casa a pedir que a fossem buscar e levá-la para casa.
Quantas cervejas seriam necessárias para que o Tom não pudesse conduzir? “Vá lá, Pai,’ disse ela, 'Não é difícil prever: talvez seis ou sete cervejas.’ A resposta de Chelsea, [o seu pai] admitiu, apanhou-o desprevenido. Ela tinha dado todas as respostas certas. De repente, [com a sua resposta errada] ele foi subitamente lembrado de que ela tinha dezasseis anos, e isso significava que ele tinha de estar alerto ao que pudesse acontecer. Amar a Chelsea significava que não haveria cinema ao ar livre, nem cerveja, mas um filme numa sala de cinema, e depois vir directamente para casa” (pp. 54-55).
Este exemplo demonstra que até bons rapazes ou raparigas necessitam de orientação à medida que traçam o seu caminho desde a adolescência até à vida adulta. Muitas vezes fazer o que está correcto, como no caso do pai da Chelsea, não é muito popular.
A força da relação que você construiu irá ajudá-lo quando decisões difíceis forem necessárias para protegê-la e manter os seus princípios intactos. Tal como a Dra. Meeker explica:
“Defendê-la numa cultura tóxica é um desafio quando ela tem oito, nove e dez anos. Os desafios podem intensificar-se à medida que os anos passam. Notem que eu disse ‘podem’. Isto é porque eu tenho observado que raparigas cujos pais são razoáveis, firmes nas suas linhas directrizes, e não são autoritários, percebem desde cedo que os seus pais estão do seu lado e ‘entendem’ o que se passa no seu mundo. Isso minimiza atritos sobre filmes, roupa e tudo o resto” (p. 99).
Use a sua “carta do pai” com sabedoria
A sua filha necessita de uma “carta do pai” que simboliza o seu compromisso incondicional para com ela. Irá dotá-la com a confiança e carácter para ser bem sucedida na vida.
É uma tarefa que intimida e uma que só pode ser superada jogando a sua própria “carta do pai” – uma relação forte com o seu Pai Celestial bondoso, o Deus do universo. Paulo exorta-nos – pais incluídos – a ir “com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (Hebreus 4:16).
É uma carta que você não se pode dar ao luxo de não jogar. Somente Deus pode ensiná-lo inteiramente a ser o modelo exemplar apropriado e a transmitir os Seus princípios sem provocação. Somente Ele lhe pode dar o amor, com carinho e com firmeza, que o tornará estimado pela sua filha para que ela se sinta segura e protegida mesmo durante os períodos difíceis. Somente Ele pode conceder-lhe a sabedoria e o equilíbrio necessários para a tarefa importante de construir e sustentar a sua relação com a sua filha.
Aproxime-se de Deus, estude a Sua Palavra e actue de acordo com os seus instintos paternais. A sua filha irá agradecer-lhe por isso no dia em que ela tiver de jogar a “carta do pai”. BN
Segredos de Pais Fortes
O livro da Dra. Meg Meeker, Strong Fathers, Strong Daughters (mencionado no artigo acima) está repleto de informação prática sobre como construir a sua relação pai-filha. Um dos melhores livros disponíveis sobre este tema, que revela 10 segredos que todos os pais deviam de saber:
• Você é o homem mais importante na sua vida.
• Ela precisa de um herói.
• Você é o seu primeiro amor.
• Ensine-lhe humildade.
• Proteja-a e defenda-a.
• Ensine e mostre-lhe pragmatismo e garra.
• Seja o tipo de homem com o qual quer que ela se case.
• Ensine-lhe quem Deus é.
• Ensine-lhe a lutar por aquilo que está correcto.
• Mantenha-a em contacto.
Estes segredos são revelados através de dezenas de pequenos relatos da sua experiência como médica, incluindo um relato hilariante do seu pai eternamente protector a impor-lhe uma hora para chegar a casa e a dizer ao seu extremamente simpático namorado que não era bem vindo quando ela já estava a estudar para médica e veio passar o verão a casa. Vale bem a pena ler!