A Graça e a Lei
O Que Diz a Bíblia?
“Homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo” (Judas 4, ARA).
Se há uma coisa que deve estar totalmente evidente agora, ao examinarmos o que a Bíblia ensina sobre a graça, é que a graça personifica a natureza e o caráter de Deus. A graça é quem e o que Ele é. A graça é como Ele pensa e age. A graça O define e O caracteriza. E devemos ser muito gratos por isso!
Então, como a graça se relaciona com a lei de Deus? Muitas pessoas ficam confusas ao pensar sobre isso. Talvez elas não tenham analisado criteriosamente seus pensamentos a ponto de entender que podem ter pensamentos incoerentes e contraditórios sobre Deus.
E quanto a você? Suas crenças sobre Deus estão realmente fundamentadas na verdade? Ou estão enraizadas em ideias erradas que durante séculos se disfarçaram como verdade?
Muitas pessoas, baseadas em má compreensão de alguns dos escritos do apóstolo Paulo, foram erroneamente ensinadas ou chegaram a acreditar que a lei de Deus é algum tipo de maldição ou punição. Entretanto, o próprio Paulo declarou claramente que "a lei é santa; e o mandamento, santo, justo e bom” (Romanos 7:12).
Paulo também escreveu: “Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus" (versículo 22) — ou, como diz a Nova Versão Transformadora: "Amo a lei de Deus de todo o coração".
A graça e a lei refletem a mente e o caráter perfeitos de Deus
O que muitas pessoas não percebem é que, assim como a graça é um reflexo perfeito da mente e do caráter de Deus, a lei de Deus também é um reflexo perfeito da mente e do caráter de Deus (consultar "A Lei de Deus Reflete Sua Mente e Caráter"). É por isso que o rei Davi, um homem segundo o coração de Deus (Atos 13:22), escreveu: "A lei do SENHOR é perfeita e refrigera a alma" (Salmos 19:7).
A lei de Deus revela Seu pensamento e caminho de vida — um caminho que leva a grandes bênçãos. Como Ele disse a antiga Israel, através de Moisés: “E guardarás os Seus estatutos e os Seus mandamentos, que te ordeno hoje, para que bem te vá a ti e a teus filhos depois de ti e para que prolongues os dias na terra que o SENHOR, Teu Deus, te dá para todo o sempre” (Deuteronômio 4:40).
Essa promessa é repetida, de forma ligeiramente diferente, em Deuteronômio 12:28: “Guarda e ouve todas estas palavras que te ordeno, para que bem te suceda a ti e a teus filhos, depois de ti para sempre, quando fizeres o que for bom e reto aos olhos do SENHOR, teu Deus”.
Por meio de Moisés, Deus disse aos israelitas que, se eles obedecessem à Sua lei, seriam respeitados e admirados pelas nações ao seu redor: “Vedes aqui vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o SENHOR, Meu Deus, para que assim façais no meio da terra a qual ides a herdar. Guardai-os, pois, e fazei-os, porque esta será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que ouvirão todos estes estatutos e dirão: Só este grande povo é gente sábia e inteligente.
“Porque, que gente há tão grande, que tenha deuses tão chegados como o SENHOR, nosso Deus, todas as vezes que o chamamos? E que gente há tão grande, que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que hoje dou perante vós?” (Deuteronômio 4:5-8).
O Salmo 119 — o capítulo mais extenso da Bíblia — é um longo louvor de agradecimento pela lei de Deus e pelas bênçãos que isso traz para aqueles que a vivem. Quem vê negativamente a lei de Deus faria bem em ler e ponderar cuidadosamente essas palavras que Deus inspirou para serem escritas aqui!
O antigo preconceito contra as leis de Deus
Essas e muitas outras passagens deixam claro que Deus pretendia que Suas leis fossem uma bênção para indivíduos e nações. Em dois longos capítulos da Bíblia, Levítico 26 e Deuteronômio 28, Deus lista muitas grandes bênçãos nacionais que viriam sobre o povo por obedecer às Suas leis — bem como as consequências (na forma de maldições) que cairiam sobre aqueles que rejeitassem e desobedecessem essas leis.
Levando em conta que, muitas vezes, Deus promete bênçãos pela obediência às Suas leis, como elas chegaram a ser vistas de maneira tão negativa — até mesmo entre as chamadas igrejas e denominações cristãs?
A resposta curta se encontra em Romanos 8:7: “Porque a mentalidade da carne é inimiga de Deus, pois não se submete à Lei de Deus, nem consegue fazê-lo” (Bíblia King James Atualizada).
Diante dessa hostilidade arraigada às leis de Deus, homens e mulheres — inclusive muitos que se consideram profundamente religiosos — tentam racionalizar em torno da necessidade de viver de acordo com as leis de Deus.
Isso não é novidade — remonta-se às primeiras décadas da Igreja. Embora Jesus Cristo tenha dito claramente às pessoas: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas (referindo-se à parte da Bíblia que conhecemos como o Antigo Testamento) . . . Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til [pequenos traços nas letras hebraicas com as quais o Antigo Testamento foi escrito] jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus” (Mateus 5:17-19). Algumas pessoas distorcem até essas palavras para significar exatamente o oposto do que Cristo disse.
O abuso do dom da graça de Deus
Uma das maneiras que as pessoas têm tentado acabar com qualquer necessidade de obedecer à lei de Deus é o argumento de que a graça tornou isso desnecessário. Visto que a graça de Deus trouxe o perdão, argumentam elas, então pode-se continuar pecando — e Deus sempre perdoará.
Judas, o meio-irmão de Jesus Cristo, entendeu que isso significa zombar da graça de Deus. "Senti que era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé uma vez por todas confiada aos santos", escreveu ele sobre aqueles que estavam ensinando uma mensagem muito diferente. “Pois certos homens, cuja condenação já estava sentenciada há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente no meio de vocês. Estes são ímpios, e transformam a graça de nosso Deus em libertinagem e negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor” (Judas 3-4, NVI).
Ao ver a graça de Deus como permissão para continuar uma vida de pecado impenitente, esses falsos mestres estavam abusando da misericórdia e do perdão de Deus. Continuar vivendo uma vida pecaminosa é achincalhar o sacrifício de Jesus Cristo, que pagou a penalidade pelos pecados — negando, de fato, nosso Mestre e Senhor que deram a vida por eles.
O livro de Hebreus emite uma condenação contundente para aqueles que abusam da graça de Deus, supondo que ela nos permite continuar em pecado: “Pois, se continuarmos a pecar de propósito, depois de conhecer a verdade, já não há mais sacrifício que possa tirar os nossos pecados. Pelo contrário, resta apenas o medo do que acontecerá: medo do Julgamento e do fogo violento que destruirá os que são contra Deus.
“Quem desobedece à lei de Moisés é condenado sem dó à morte, se for julgado culpado depois de ouvido o testemunho de duas pessoas, pelo menos. Então, o que será que vai acontecer com os que desprezam o Filho de Deus e consideram como coisa sem valor o sangue da aliança de Deus, que os purificou? E o que acontecerá com quem insulta o Espírito do Deus, que o ama?" (Hebreus 10:26-29, NVI).
Está muito claro que a graça de Deus não nos permite continuar pecando!
Salvo “apenas pela fé”?
Uma importante frase teológica que emergiu da Reforma Protestante há cinco séculos foi a sola fide — "apenas pela fé". O monge católico Martinho Lutero se opôs fortemente a certos ensinamentos e práticas antibíblicas e corruptas da igreja romana da qual ele fazia parte, principalmente a venda de “indulgências” baseadas na ideia de que as pessoas poderiam, por meio de pagamentos em dinheiro, presentes ou serviço à igreja, diminuir o castigo de seus entes queridos em um suposto “purgatório” na vida pós-morte. Ele condenou esse comércio como um meio enganoso de encher os cofres da igreja e de seus líderes.
O objetivo de Lutero era reformar a Igreja Católica. Contudo, seus protestos contra essas práticas e ensinamentos católicos foram acatados por muitas pessoas, e quanto mais a igreja romana tentava conter a dissidência, mais cresciam as discordâncias. Com o tempo, os protestos de Lutero deram origem à Reforma Protestante — um movimento de protesto que levou à reforma, principalmente através do surgimento de muitas novas igrejas protestantes, onde antes havia uma igreja importante, dominante e universal (o significado de "católico").
O slogan de Lutero era sola fide, “apenas pela fé”, que resumia sua oposição não apenas contra as práticas da venda de indulgências e a ideia de que as pessoas poderiam comprar seu caminho para a salvação celestial, mas também o conceito de que nenhuma obra era necessária para a salvação, nem mesmo obedecer à lei de Deus.
Lutero insistiu que apenas a fé era necessária para a salvação — acrescentando o termo "apenas", embora essa ideia não aparecesse em nenhum lugar na Bíblia. Ele tirou esse conceito dos escritos do apóstolo Paulo, quinze séculos antes, ignorando o significado das palavras de Paulo para seus ouvintes originais do primeiro século. Na verdade, a epístola de Tiago declara explicitamente que "uma pessoa é justificada [torna-se justa para Deus] por obras e NÃO apenas pela fé” (Tiago 2:24, NVI) — e por isso Lutero a chamou de "epístola de palha", argumentando que ela deveria ser retirada da Bíblia! Em breve, estudaremos mais sobre Tiago.
Ao lutar contra a ideia errada de obter a salvação por meios escusos, Lutero e aqueles que abraçaram sua causa caíram na vala oposta. Assim, a partir da Reforma Protestante surgiu o conceito antibíblico de que a graça é o oposto da lei e a lei é o oposto da graça. Na realidade, o oposto da lei não é a graça, mas ilegalidade — e o oposto da graça não é lei, mas desgraça. Sempre devemos ler a Bíblia com cuidado e não tirar conclusões precipitadas que não são apoiadas pelas Escrituras!
A leitura errônea do texto “pela graça sois salvos, por meio da fé”
Qual a origem dessas visões equivocadas de Lutero e outros reformadores protestantes? Em parte, isso veio de sua incompreensão de Efésios 2:8-9, que diz: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”.
Esses reformadores viram essa passagem como uma prova de que a salvação vem pela graça através da fé e não pelas obras — assim, Lutero formulou a sola fide por, ou "apenas pela fé”. Mas eles deveriam ter lido um pouco mais adiante, pois Paulo explica no versículo seguinte: “Porque somos feitura Sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (versículo 10) — ou seja, como já mencionado, “para que nós as praticássemos” (NVI).
Lutero estava certo de que não somos salvos pelas obras. Nada que possamos fazer, até mesmo atos de obediência à lei de Deus, jamais poderíamos ganhar o dom da salvação de Deus. No entanto, como Paulo diz claramente, fomos criados “para as boas obras" e "devemos andar nelas" — fazendo com que as boas obras sejam uma parte regular e habitual de nossas vidas!
Então, Paulo, em vez de dizer que as boas obras são desnecessárias para um cristão, afirma enfaticamente que elas devem fazer parte da vida de um cristão!
O que Paulo está nos dizendo aqui é que "pela graça" — pelo perdão misericordioso de Deus de nossos pecados, pelos quais merecemos a pena de morte (Romanos 6:23) — somos “salvos por meio da fé...”. A que tipo de fé Paulo está se referindo?
A palavra "fé", como também a "graça", tem uma ampla gama de significados. A intenção específica deve ser discernida a partir do contexto. A fé a que Paulo se refere em Efésios 2 é uma fé viva e ativa. Nossa profunda confiança de que Deus Pai nos escolheu pessoalmente e nos chamou para um relacionamento mutuamente amoroso com Ele e Seu Filho Jesus Cristo, andando em boas obras com Sua ajuda, nos leva a viver como cremos. (Isso é explicado em mais detalhes no próximo capítulo, “Qual Era o Significado da Graça no Mundo do Primeiro Século?”).
E, pelo que Paulo escreve alguns versículos depois, esse significado está evidente: “Ele [Jesus Cristo] veio e anunciou paz a vocês que estavam longe e paz aos que estavam perto, pois por meio dEle tanto nós como vocês temos acesso ao Pai, por um só Espírito. Portanto, vocês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular.
“No qual todo o edifício é ajustado e cresce para tornar-se um santuário santo no Senhor. Nele vocês também estão sendo juntamente edificados, para se tornarem morada de Deus por Seu Espírito" (versículos 17-22, NVI).
Como membros da família divina, na qual Deus vive pelo Seu Espírito Santo, nossas vidas serão naturalmente caracterizadas por boas obras, pois elas refletem a própria natureza e caráter de Deus vivendo em nós pelo Seu Espírito. Em Gálatas 5:22-23, Paulo descreveu o “fruto do Espírito” gerado em nossas vidas como “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (ARA). Estas características serão evidentes na vida de um cristão guiado pelo Espírito de Deus!
A fé sem obras é morta
Vejamos o que mais diz o livro de Tiago, que Lutero rejeitou. Aqui o apóstolo Tiago, meio-irmão de Jesus Cristo, deixou claro que as boas obras serão evidentes na vida de um cristão fiel. Ele pergunta: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura, a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e lhes não derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?” (Tiago 2:14-16).
Tiago continua respondendo: “Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus? Fazes bem; também os demônios o crêem e estremecem.
“Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura Abraão, o nosso pai, não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras e que, pelas obras, a fé foi aperfeiçoada...Vedes, então, que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé...Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta" (Tiago 2:17-26).
Tiago e Paulo compartilham do mesmo ponto de vista — que a vida de um cristão é transformada pela fé e por um relacionamento próximo com Deus, através do Espírito de Deus em ação, que desenvolve nele a natureza e o caráter de Deus. Essas são as evidências de uma pessoa verdadeiramente convertida pela graça de Deus.
Devemos nos esforçar para obedecer a Deus
Precisamos observar que a maioria dos mestres protestantes de hoje aceita o livro de Tiago com o argumento de que ele está apenas afirmando que as boas obras serão automaticamente evidentes na vida de um cristão sem necessidade de qualquer esforço de nossa parte para sermos salvos. Mas, sem dúvida, o esforço contínuo é necessário.
Jesus disse “esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (Lucas 13:24) — aqui ‘esforçai-vos’ foi traduzido do termo grego agonizomai donde advém a palavra agonizar. Hebreus 12:4 nos diz que devemos “combater contra o pecado”, assim como fez Jesus. Paulo diz ainda que devemos “prosseguir para o alvo” (Filipenses 3:14) e realmente lutando, “combato, não como batendo no ar” (1 Coríntios 9:26) — isto é, “não...apenas esmurrando uma sombra” (Bíblia Viva). Jesus, Paulo e Tiago estavam todos convictos de que devemos ser praticantes da lei de Deus e não apenas ouvintes (Mateus 7:21; Romanos 2:13; Tiago 1:22).
Novamente, isso não significa que conseguimos a salvação através da obediência — pois precisamos da graça e da misericórdia de Deus para o perdão dos pecados, que todos cometemos. Nenhuma quantidade de obras justas pode fazer você ganhar a vida eterna no Reino de Deus. Mas o fato de não se esforçar para continuar praticando obras justas após o arrependimento nos manterá fora do Reino de Deus.
De forma alguma, isso significa ganhar a salvação. A força e a motivação para obedecer vêm de Deus, pois isso é outro aspecto de Sua graça: “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade” (Filipenses 2:13) — ou seja, Ele lhe dá "o desejo e o poder de realizarem aquilo que é do agrado dEle" (NVT). No entanto, ainda podemos nos afastar dEle e perder a salvação, apesar de muitos afirmarem o contrário. Por isso, devemos permanecer fiéis (ver “Aqueles Que Deus Perdoou Podem Rejeitar Sua Graça?”).
Então, é vital que continuemos dedicados a Deus, cooperando com o que Ele está fazendo em nossa vida — numa verdadeira parceria com Ele. Como Paulo disse: "E para isto também trabalho, combatendo segundo a Sua eficácia, que opera em mim poderosamente" (Colossenses 1:29). Às vezes ainda pecamos, mostrando nossa necessidade contínua do perdão de Deus por meio de Cristo, mas certamente devemos nos arrepender e continuar nos esforçando na obediência (1 João 1:7–2:6).
Por isso, entenda que manter-se na graça salvadora depende de nosso contínuo esforço para viver em obediência à lei de Deus. No entanto, somos capazes de cumprir essa condição quando continuamos confiando na graça de Deus.