Adoção ou Filiação?

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Geralmente Romanos 8:15 traduzido dizendo que os cristãos receberam “o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai!”. O versículo 23 diz “que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo”. O capítulo seguinte diz que Israel, a nação de Deus, recebeu a promessa de "adoção" (Romanos 9:4). De igual modo, Gálatas 4:5 e Efésios 1:5 também usam as expressões "adoção de filhos" e "filhos de adoção", respectivamente, como nossa posição definida por Deus.

Todavia, há versões que, em Romanos 8:15, usam a expressão "filhos de" ou algo semelhante, como a Bíblia na Linguagem de Hoje ("O Espírito torna vocês filhos de Deus"). Em relação ao termo "adoção", o Dicionário Expositivo Completo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento de Vine explica que aqui a palavra grega original é “huiothesia . . . de huios, ‘um filho’ e thesis, ‘uma colocação’ semelhante a tithemi, ‘posicionar, estabelecer’” — assim ganhando a colocação de um filho. Os estudiosos notaram que esta palavra foi usada, algumas vezes, no antigo mundo grego para se referir a adoção, sendo, obviamente, adequado para isso.

Adoção significa tomar uma criança de outros pais como seu próprio filho ou filha. É um ato maravilhoso e nobre dar abrigo e família a quem precisa, sendo, geralmente, uma grande bênção tanto para os pais adotivos quanto para a criança adotada. Muitos passam a aceitar e a amar a criança adotada como sendo um filho realmente gerado por eles — e assim deve ser, pois essa criança é um ser humano criado à imagem de Deus. (Veja que o Jesus Cristo mesmo foi, na prática, adotado por José, que não era o Seu verdadeiro pai — Seu Pai era Deus).

No entanto, há problemas na aplicação dessa terminologia de adoção ao nosso relacionamento com Deus.

O uso da terminologia de adoção pode levar alguns à conclusão de que nossa paternidade biológica ou do diabo, como um pai (ver João 8:44), é transferida para Deus, como nosso novo pai. Entretanto, todos os seres humanos, enfim, são descendência de Deus, desde início, até mesmo biologicamente (Atos 17:28-29) — porque Ele foi o Pai de Adão e Eva, na criação (Lucas 3:38), e porque Ele está envolvido nesse processo de procriação desde o ventre (Salmos 139:13-16).

Satanás tem sido um pai para as pessoas só no sentido de exercer domínio e influência sobre elas para que sigam seu caminho.

Todavia, os seres humanos são verdadeiramente filhos de Deus — e Ele resgata-os, através do Seu plano de salvação. Ademais, quando Deus nos engendra espiritualmente como Seus próprios filhos, criados de Seu próprio ser, isto de forma alguma equivale a adoção.

O Dicionário Vine diz: "A 'adoção de filhos' [Romanos 8:15] . . . é uma tradução errada e enganadora. Deus não 'adota' os crentes como filhos; eles são gerados como tal pelo Seu Espírito Santo através da fé". É importante reconhecer esse fato, posto que isso tem impacto direto em nosso destino. Na adoção humana, as crianças adotadas são humanas, tal como os novos pais, porém, elas são humanas porque foram adotadas de outros pais humanos, que as geraram fisicamente. Mas, se Deus apenas nos adotasse e não nos gerasse à Sua imagem, nós seriamos um gênero de seres completamente diferentes dEle — mas Ele não está nos adotando de outros seres iguais a Ele. De certo modo, isso seria como adotar um animal de estimação como membro da família (embora capaz de falar).

Infelizmente, isto está próximo do que muitos imaginam — de que somos e sempre seremos completamente diferentes, ou seja, um gênero de seres muitíssimo inferiores a Deus. E, por isso, eles não têm problema em aceitar a palavra grega em questão, nos versículos que vimos, como significando adoção. Mas esta noção do propósito de Deus para conosco não é verdadeira, posto que as Escrituras deixam claro que Deus realmente nos gera espiritualmente à Sua própria imagem — com a intenção de nos tornar, finalmente, no mesmo gênero de seres que Ele e Jesus Cristo são agora.

Então, sobre o que Paulo estava falando? Embora o termo huiothesia (colocar ou estabelecer como um filho) seja, sem dúvida, aplicável à adoção, obviamente Paulo utilizou-o em um sentido diferente.

Inicialmente, na tradução da Bíblia na Linguagem de Hoje, podemos ver o que ele queria dizer em Gálatas 4:1-5. Observe o contexto: “Digo mais isto: enquanto é menor de idade, o filho que vai herdar a propriedade do pai é tratado como escravo, mesmo sendo, de fato, o dono de tudo. Enquanto é menor, há pessoas que tomam conta dele e cuidam dos seus negócios até o tempo marcado pelo pai. Assim também nós, antes de ficarmos adultos espiritualmente, fomos escravos dos poderes espirituais que dominam o mundo. Mas, quando chegou o tempo certo, Deus enviou o seu próprio Filho, que veio como filho de mãe humana e viveu debaixo da lei para libertar os que estavam debaixo da lei, a fim de que nós pudéssemos nos tornar filhos de Deus”.

Veja que, no exemplo referido por Paulo, o que recebe a huiothesia (a posição de um filho) já era filho legítimo de seu pai, mas agora era reconhecido como tal. Portanto, esta circunstância não configurava adoção.

O exemplo de Paulo se encaixa bem com o mundo romano daquela época. O historiador Will Durant diz-nos: "A criança era uma parte básica da característica da instituição romana — a família patriarcal. O poder do pai era quase absoluto . . . Somente ele, na família, é que tinha todos os direitos acima da lei na República… Ele tinha o poder de vida e morte sobre seus filhos e também o da vendê-los como escravos" [A História da Civilização, Tomo 3: César e Cristo, 1972, p. 57]. Nos dias de Paulo isso já estava diminuindo, de alguma forma, mas ainda era normalmente o caso.

Durante a adolescência  de um filho, o seu pai é quem determinava quando era hora de ele passar de jovem a adulto — geralmente por volta dos 14 anos ou um pouco mais tarde. Em uma cerimônia pública e formal, depois de largar sua toga de criança, ele aparecia vestido com a toga virilis (a toga da idade adulta), marca da cidad . . . ania e de seu direito a voto na assembleia:

"Quando o rapaz estava pronto, começava a procissão do Fórum. O pai reunia os seus escravos e os alforriados, seus clientes, parentes e amigos, e usava de toda a sua influência para tornar numerosa e imponente a escolta de seu filho. Ali, o nome do rapaz era incluído na lista de cidadãos, e logo ele recebia as devidos cumprimentos… Por fim, todos regressavam à casa, onde o dia terminava com um jantar oferecido pelo pai em honra ao novo cidadão romano" (Filhos de Roma [Roman Children], ClassicsUnveiled.com).

Nessa ocasião, o status do filho era elevado. Agora, ele era investido legalmente de todos os direitos, poderes e privilégios de um filho e herdeiro de seu pai — e de um cidadão.

Dessa chegada da idade adulta deve ser o que Paulo está se referindo. Deus nos gerou como Seus filhos. E, em certo sentido, Ele nos considera como tendo alcançado certa maturidade — considerando-nos além do status de escravos e nos colocando  como filhos, que têm certos privilégios (embora sejamos como meros bebês!). Contudo, a plenitude de nossa maturidade ainda está no futuro — no tempo da "manifestação dos filhos de Deus," na ressurreição (Romanos 8:19, ACF).

Veja Romanos 8:23 na tradução da Bíblia Viva: “E mesmo nós, os cristãos, embora tenhamos o Espírito Santo em nós como uma amostra que nos permite conhecer o sabor da glória futura, também gememos para ser libertados da dor e do sofrimento. Nós também esperamos ansiosamente aquele dia quando Deus nos dará plenos direitos como seus filhos [huiothesia], inclusive os novos corpos que Ele já prometeu - corpos que nunca voltarão a enfermar e nunca jamais morrerão”.

Assim, esses versículos de Paulo não nos afastam de nosso destino como plenos e legítimos filhos de Deus. Na verdade, eles apenas confirmam e esclarecem esta incrível verdade bíblica.