A Quem Você Pertence?
Você pode aprender muito ao visitar um cemitério. Uma coisa que você percebe é como o local é silencioso — afinal de contas, não há conversas entre os residentes. Também há uma percepção de que a morte não faz distinção de pessoas. Simplesmente devora todo e qualquer ser humano.
Muitos daquelas pessoas sepultadas sob aquele gramado bem cuidado talvez conhecessem o ditado de Ben Franklin de que "nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos". Talvez até tenham evitado pensar nisso, e pode ser que algumas pessoas até mesmo não tiveram nenhum senso de responsabilidade quanto a isso. Mesmo assim, as suas vidas chegaram ao fim — e, raramente, em um momento de sua própria escolha.
Recentemente, aprendi mais sobre a vida ao prestar uma homenagem no local de descanso de meus pais. Ao sair, eu me deparei com uma lápide interessante. Como todas as lápides, ela tinha um nome e datas de nascimento e falecimento divididos por um travessão, mas foi o epitáfio abaixo que chamou minha atenção. Ele resumia tudo o que eu precisava saber sobre o que estava exposto acima. Ali estava escrito: “Propriedade de Deus”.
E era apenas isso — e isso era tudo. Três simples palavras definiam o foco da vida daquela pessoa. Aquele texto expressava uma grande verdade que todos nós precisamos entender sobre o chamado de Deus. Ali, diante de mim, estava um presente legado a mim neste tempo, um poderoso lembrete do que nos tornamos ao responder ao inestimável convite de Jesus Cristo para segui-Lo.
O que significa ser “Propriedade de Deus”?
Essa palavra “propriedade”, que primeiro chamou minha atenção aqui, exige uma análise cuidadosa. O sentido claro era mesmo de posse — ser propriedade de Deus e pertencer a Ele como sendo uma posse dEle. Muitos hesitariam em usar tal terminologia ou até aceitá-la. Propriedade? Sério? Em nossa sociedade moderna, por que uma pessoa desejaria dizer a todo mundo que pertence a alguém?
Humanamente falando, isso pode parecer repugnante. A princípio, isso pode até parecer ecos da escravidão humana. Mas o que isso significa para um indivíduo falecido? E o que nós, os vivos, podemos aprender das Escrituras a respeito da vida e também dos tempos de Jesus e Seus primeiros seguidores?
Roma governou o mundo ocidental no primeiro século de nossa era. Os historiadores estimam que a população da península italiana era composta de quarenta a cinquenta por cento de escravos e no restante do império esse percentual alcançava cerca de dez por cento. A escravidão era parte integrante da sociedade daquela época.
Havia escravos em todos os níveis da sociedade. Eles ocupavam posições de secretários da casa imperial, professores, artistas, lavradores, mineiros ou remadores de galés, e todos tinham algo em comum — eram propriedade de alguém. Eles eram considerados uma propriedade que devia cumprir ordens de outra pessoa e não tinham liberdade de fazer o que queriam.
Esse era o mundo das Escrituras Apostólicas ou Novo Testamento, escrito na língua grega. E, frequentemente, elas se referem a escravos. Todavia, as traduções posteriores da Bíblia suavizaram aquela realidade da época e a plenitude de sua intenção, usando as palavras portuguesas “servo”, “serva”, “criado”, “criada”, que soam mais neutras.
Observe como o Dicionário Vine: O Significado Exegético e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento decompõe a palavra grega original traduzida nesses termos: "doulos é derivado de deõ, ‘amarrar’, ‘escravo’, sendo originalmente o termo mais baixo na escala da escravidão, também veio a significar ‘aquele que se dá à vontade de outrem’” (2002, p. 610).
Esse é o sentido de ser propriedade de outra pessoa — até mesmo propriedade de Deus. Obviamente, Deus nos vê muito mais do que apenas propriedade, pois pertencemos a Ele como Seus próprios filhos. Mas isso não muda o fato de que ainda somos Sua propriedade, sendo Ele nosso Proprietário e Mestre — embora um Mestre que nos ama muitíssimo.
Jesus fez o impensável
O que podemos aprender com o maior Mestre de todos os tempos a respeito não apenas de quem Ele era e do que disse, mas do que Ele praticou em toda a Sua existência humana? Conhecê-Lo e nos tornarmos semelhantes a Ele ao aceitar Seu convite de “segui-Lo” são dois diferentes níveis de experiência que precisamos entender.
Certamente, Jesus estava familiarizado com o Salmo 24:1: "Ao SENHOR pertence a Terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam" (ARA). Ele compreendia plenamente a realidade de Deus como Criador, de modo que tudo o que existe, seja animado ou inanimado, pertence a Deus. Em suma, tudo é propriedade de Deus.
Contudo, há mais para saber. Na preexistência incriada de Jesus como Deus, o Verbo que era Deus com o Pai, todas as coisas foram criadas por meio dEle (João 1:1-3, 14). “Porque nEle [Jesus] foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis...tudo foi criado por Ele e para Ele” (Colossenses 1:16). Como Deus Criador, ao lado do Pai, Jesus possuía tudo juntamente com o Pai. O céu e a Terra eram propriedade compartilhada dEles!
E então o Verbo divino fez algo humanamente impensável — Ele se tornou um de nós. Pois, “embora Deus, não exigiu nem tampouco Se apegou a seus direitos como Deus, mas pôs de lado seu imenso poder e sua glória, ocultando-se sob a forma de escravo e tornando-se como os homens. E Se humilhou ainda mais, chegando ao ponto de sofrer uma verdadeira morte de criminoso numa cruz” (Filipenses 2:6-8, Bíblia Viva, grifo nosso).
Esta passagem resume de onde Ele veio, a que situação chegou, a maneira que viveu como o Filho do Homem — assumindo o papel de um escravo humilde e obediente — e como partiu dessa experiência humana. Jesus se tornou como todos nós e mostrou, em primeira mão, que podemos nos tornar algo que jamais conseguiríamos sozinhos — ao entregar nossa vida como propriedade de Deus.
A vida de Cristo foi premeditada e não acidental. Ele viveu cada momento pelo desígnio divino e em obediência. O propósito e chamado dEle para ser nosso Salvador serviram de reconhecimento de quem Ele é, além de tê-Lo tornado plenamente preenchido. Nesta existência humana, como Filho do homem, Ele pertencia a Deus Pai e em suas próprias palavras proclamou: “A minha comida é fazer a vontade dAquele que Me enviou e realizar a Sua obra” (João 4:34). Até mesmo nos momentos mais desafiadores de Sua vida, com a proximidade da morte, Ele permaneceu decididamente obediente quando disse ao nosso Pai Celestial: “Contudo, que seja feita a Tua vontade, e não a Minha” (Marcos 14:36, Nova Versão Transformadora).
O propósito dEle tinha um âmbito eterno. Jesus veio e morreu “para que tenham [eu e você] vida e a tenham com abundância” (João 10:10). O pertencimento de Cristo ao Seu Pai Celestial e o propósito dEles acabou com nossa escravidão a Satanás, ao pecado e ao autoengrandecimento, que se oculta dentro de nós. Pedro nos diz claramente que “não foi por meio de coisas perecíveis como prata ou ouro que vocês foram redimidos [um resgate que somos incapazes de realizar] da sua maneira vazia de viver... mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e sem defeito” (1 Pedro 1:18-19, NVI).
“Você foi comprado por um preço”
E, com base nesse resgate da morte para a vida, o apóstolo Paulo, lembrando a todos aqueles que atenderem ao convite celeste de seguir a Cristo, resume assim em 1 Coríntios 6:19-20: “Não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós... e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus” — ou seja, são propriedade de Deus.
Todos os primeiros provedores do evangelho compreenderam e aceitaram esse papel dado por Deus quando aceitaram o convite de segui-Lo. Escrituras como Romanos 1:1, 2 Pedro 1:1 e Tiago 1:1 mostram claramente que Paulo, Pedro e Tiago (meio-irmão de Jesus) se viam como escravos de Cristo (doulos em grego, que significa um escravo pertencente a outra pessoa e não apenas um servo, como muitas vezes é tipificado). E era assim que eles se apresentavam enquanto entregavam suas mensagens. Assim também, todos nós devemos ser escravos de Deus e de Sua justiça para nosso próprio bem (Romanos 6:16-23).
Então, à medida que compreendemos e abraçamos esperançosamente o significado de ser “Propriedade de Deus”, precisamos nos fazer uma simples pergunta: Que parte de nossas vidas ainda não entregamos a Deus?
Jesus Cristo nos apresenta esta equação inflexível: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mateus 6:24). Novamente, o chamado para seguir a Cristo é muito mais do que simplesmente conhecê-Lo ou responder a esta pergunta dEle: "Quem vocês dizem que Eu sou?" (Mateus 16:15, NVI). Na verdade, significa tornar-se como o Mestre — Aquele mesmo que, com palavras e exemplo, proclamou: “Eu não posso de Mim mesmo fazer coisa alguma; como ouço, assim julgo, e o Meu juízo é justo, porque não busco a Minha vontade, mas a vontade do Pai, que Me enviou”(João 5:30).
Jesus “pertencia” a Seu Pai em todos os sentidos e entregou Sua vida aos cuidados dEle até o fim quando orou: “Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito” (Lucas 23:46). Enquanto lê essas palavras, reflita nesta questão: Qual o legado que você está deixando nesta vida? Seria um que demonstra que você é “Propriedade de Deus”?