Entre Versos e Propósitos

Os leitores habituais desta coluna talvez se lembrem de que, no ano passado, abordei uma reflexão pessoal do poeta e ensaísta estadunidense Walt Whitman. Há mais de 150 anos, pouco antes da Guerra Civil Americana, ele captou de forma precisa o drama humano em busca de uma existência significativa. Esse texto foi escrito em um período de grande mudanças sociais e tecnológicas, quando a Revolução Industrial estava mudando radicalmente a vida cotidiana, o transporte ferroviário se consolidava, as cidades do leste estadunidense se expandiam vertiginosamente e as fábricas operavam em ritmo frenético.

Ele compôs o poema “Ó Eu! Ó Vida!” e explorar a silenciosa desesperança e a sincera luta que existiam dentro dele sobre qual poderia ser o propósito da vida — não apenas para si mesmo, mas também para os que viriam depois.

Ó eu! Ó vida! Destas perguntas que se recorrem,

Dos trens feitos por incrédulos, das cidades cheias de tolices,

Do costume de censurar a mim mesmo constantemente, (quem é mais tolo do que eu, e quem é mais

desesperançoso?).

Dos olhos que inutilmente suplicam pela luz, daquilo que significa às coisas, do esforço sempre renovado,

Dos insignificantes resultados das coisas, das pesadas e sórdidas multidões que vejo ao meu redor,

Dos vazios e inúteis anos que sobram, com o que sobrou de mim entrelaçado,

A pergunta, Ó eu! Tão triste, aparece — O que há de bom em tudo isso, Ó eu, Ó vida?

Resposta.

Que você está aqui — que a vida existe e perdura,

Que a poderosa peça teatral continua, e que você pode contribuir com um verso.

O rei Davi havia refletido de maneira semelhante cerca de 2.800 anos antes. Impressionado com a imensidão do céu iluminado acima de si, ele escreveu: “Que é o homem, para que com ele Te importes? E o filho do homem, para que com ele Te preocupes?” (Salmos 8:4, NVI).

O descendente dele, nosso Salvador, veio a um mundo cansado, frustrado e sem esperança trazendo a resposta definitiva: “Eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância” (João 10:10). Ele ainda convida todos os que ouvem Sua voz a segui-Lo e tornar-se Seus discípulos (Mateus 4:19). E assim, cada um também pode “contribuir com um verso”, enquanto a sublime mensagem do evangelho continua a se revelar através dos séculos.

O lugar de cada um no plano de Deus

Ainda que a luz do propósito divino brilhe em nossos corações, há momentos em que nos perguntamos: Onde me encaixo nisso tudo? Será que alguém se importa com minha existência? Alguém sabe quem eu sou ou o quanto eu poderia fazer diferença na vida dos outros? Quando observamos os grandes personagens das Escrituras, como Moisés, Davi, Rute, Ester, Pedro e Paulo, talvez nos sintamos pequenos e sussurremos: “Qual a minha importância? Meu nome é relevante para alguém? Como eu poderia sequer começar contribuindo com um verso?”. Perguntas e dúvidas como essas precisam ser enfrentadas, aqui e agora, para que possamos seguir em frente.

Todos nós temos um papel importante a desempenhar. Como mencionei num artigo anterior, Shakespeare, em sua peça Como Gostais, escreveu: “O mundo inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres, apenas atores. Eles saem de cena e entram em cena, e cada homem a seu tempo representa muitos papéis”. Devemos viver cada dia com a certeza de que Deus selou com o Seu nome cada um dos que fazem parte de Sua aliança. E como observei anteriormente, Deus ordenou a Moisés a respeito da bênção sacerdotal sobre o povo: “Assim, porão o Meu nome sobre os filhos de Israel, e Eu os abençoarei” (Números 6:27).

Além disso, o Evangelho de João nos lembra que Jesus, o Grande Pastor, “chama pelo nome às Suas ovelhas e as traz para fora” (João 10:3). Em Seus últimos momentos como ser humano, Jesus orou: “E Eu já não estou mais no mundo; mas eles estão no mundo [ontem e hoje], e Eu vou para Ti. Pai santo, guarda em Teu nome aqueles que Me deste, para que sejam um, assim como nós” (João 17:11). Que cada um de nós também possa “contribuir com um verso” nessa grande história que Deus está escrevendo!

Em resumo, Deus sabe quem somos, onde estamos e o que fazemos para servi-Lo, enquanto lidamos com pessoas, tarefas e oportunidades que cruzam nosso caminho diariamente. A verdade é que, às vezes, os discípulos de Cristo se desviam do caminho (Pedro é exemplo disso), mas Deus jamais perde o foco nem o amor por nós. Jesus deixou isso bem claro ao dizer que nenhum pardal “cai por terra sem o consentimento do Pai” e que nós temos muito mais valor do que os pardais (Mateus 10:29, 31, Almeida Revista e Atualizada). Devemos permanecer firmemente ancorados nessa verdade enquanto seguimos obedecendo ao chamado de seguir a Jesus (João 21:19).

O chamado dos anônimos notáveis

Embora admiremos alguns dos “grandes nomes” que Deus utilizou no passado, você já parou para pensar nas muitas pessoas anônimas mencionadas nas Escrituras que também “contribuíram com um verso” para a glória divina, respondendo ao chamado e servindo ao propósito de Deus?

Você sabe o nome do rapaz de João 6:9 que ofereceu seu almoço de pães e peixes a Jesus, tornando possível o milagre da multiplicação para alimentar cinco mil pessoas? Ou o nome da mulher que padecia de um fluxo de sangue e que, movida pela fé, tocou o manto de Jesus e foi curada, em Lucas 8:43–48? Ou ainda, o nome do único leproso, entre os dez curados, que voltou para agradecer a Jesus, em Lucas 17:11–19? E o nome do piedoso centurião gentio, que intercedeu pelo seu servo e de quem Jesus declarou em Lucas 7:9: “Digo-vos que nem ainda em Israel tenho achado tanta fé”?

Vamos continuar refletindo sobre esses “anônimos da fé”. Você sabe o nome do ladrão arrependido na cruz que, em Lucas 23:39-43, reconheceu a inocência de Jesus enquanto enfrentavam a morte juntos? E o nome dos cristãos na Itália que, mesmo correndo perigo, foram ao encontro do apóstolo Paulo para animá-lo enquanto ele seguia para o julgamento em Roma, conforme Atos 28:12–15? 

Minha intenção é mostrar que todas essas pessoas anônimas aproveitaram o momento que lhes foi concedido e “contribuíram com um verso de encorajamento” para a grandiosa e ininterrupta história do Reino de Deus. O que todas elas tinham em comum? A identidade de cada uma delas passaria a estar alicerçada firmemente em Cristo.

Vivemos momentos assim todos os dias, quando pedimos em oração ao nosso Pai Celestial que entre em nossa vida e nos ajude a seguir os passos de Jesus para que aprendamos a agir como Ele diante dos desafios da vida. Ainda que nosso desafio não aconteça no monte Sinai (Êxodo 3), nem ao caminhar pelo “vale da sombra da morte” com uma funda e cinco pedras (1 Samuel 17), nem diante dos filósofos do Areópago em Atenas (Atos 17), este é o tempo de respondermos ao chamado de Deus e contribuirmos com um verso, que Ele escreveu no céu para nós, manifestando o amor e a sabedoria de Cristo em tudo o que fazemos.

Deixe-se envolver pela graça de Deus!

Permita-me concluir suplicando a você que “levante-se do sofá do lamento e da frustração” e deixe de apenas ver a vida passar. Em vez disso, confie na verdade de que Deus deseja realizar Sua obra em você e em todos nós, enquanto caminhamos diariamente sobre o palco da vida que está diante de nós. Jamais se deixe vencer pelos desafios que surgem em sua vida. Em vez disso, permita que a graça divina toque o seu coração e o ajude a enxergar as oportunidades que estão à sua frente para que possa contribuir com um verso no tempo de Deus, do jeito de Deus e para a glória de Deus.

Lembre-se que Efésios 2:8-10 diz que Deus escolheu habitar em nós e realizar uma obra de amor dentro do nosso coração, para que esse mesmo amor alcance e transforme a vida de outras pessoas. Vamos ler essa passagem e refletir juntos: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (NVI). Então é para isso que estamos neste mundo, enquanto somos guiados pela sabedoria de Deus e fortalecidos pela graça de Cristo.

Até a próxima! E nunca subestime Deus nem o que Ele pode fazer através de você. Lembre-se que o importante não é o tamanho da tarefa ou da oportunidade, mas o tamanho do seu coração para acolher Deus em sua vida para viver cada momento com fé!