A Crucificação Romana

A crucificação nem sempre era realizada do modo como a vemos tipicamente representada em pinturas. De fato, como dito neste capítulo, uma vítima de crucificação, provavelmente, não era afixada pelas mãos, pois a estrutura delas não podia suportar o peso do corpo. O mais certo é que as vítimas eram cravadas pelos pulsos ou, em alguns casos, tinham seus braços amarrados na cruz.
Do mesmo modo, as vítimas nem sempre eram crucificadas no tipo de cruz mostrada comumente nas representações da crucificação de Cristo. Veja o que diz o The Anchor Bible Dictionary (O Dicionário Bíblico Anchor) em seu artigo sobre a crucificação:
“Às vezes, a cruz era somente um madeiro vertical. Contudo, frequentemente, havia uma peça transversal atada no topo, dando uma forma de ‘T’ (crux commissa), ou logo abaixo do topo, como na forma mais familiar no simbolismo cristão (crux immissa). As vítimas levavam a cruz, ou pelo menos o travessão (patibulum), para o lugar da execução, onde eram despidas e atadas ou pregadas ao travessão, erguidas e assentadas em um pequeno bloco de madeira (sedile) ou pequeno apoio de madeira na estaca vertical...
“Os executores podiam variar a forma de punição, como indica o historiador romano Sêneca: ‘Lá eu vi cruzes não apenas de uma forma, mas de várias, diferentemente planejadas para diferentes pessoas. Alguns penduravam suas vitimas de cabeça para baixo. Enquanto outros pregavam suas partes íntimas, outros ainda estendiam os braços da vítima sobre o patibulum (madeiro horizontal da cruz).
“Em sua descrição do que acontecia aos refugiados judeus de Jerusalém (Na guerra dos judeus de 67-70), Josefo, historiador do primeiro século, também nos permite ver que não havia um padrão determinado para a crucificação de pessoas. Muito disso dependia da imaginação sádica do momento” (Davi Noel Freedman, redator chefe, 1992, volume 1, páginas 1208-1209).
A “árvore maldita”
O historiador romano Sêneca, ao descrever o horror da crucificação, argumenta que seria melhor cometer suicídio do que suportar uma morte tão agonizante. “Alguém pode ser encontrado que prefira definhar na dor de morrer membro por membro, ou deixar a sua vida esvair-se gota a gota, em vez de expirar de uma vez por todas? Alguém pode ser encontrado disposto a ser fixado à árvore maldita, muito doente, já deformado, inchando com vergões feios nos ombros e peito, e tirando o fôlego de vida em meio a longa e prolongada agonia? Ele teria muitas desculpas para morrer mesmo antes de ser elevado na cruz” (ibid., página 1209).
A referência de Sêneca à “árvore maldita” tem forte alusão às palavras de Pedro, quando ele fala de Jesus, “Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (1 Pedro 2:24; comparar Atos 5:30). Em alguns casos, a crucificação parece ter sido realizada mesmo em uma árvore, conquanto ela essa fosse basicamente um tronco sem nenhum ramo.
Nessas crucificações, o condenado era pregado ao tronco ou carregaria o seu travessão, e depois seria atado ao tronco e pregado em ambos. É possível que a “cruz” que Jesus carregou para a Sua execução, levada por algum tempo por Simão, o cireneu, fosse simplesmente um grande tronco de madeira.
A forma da ‘cruz’ é desconhecida
A palavra traduzida por “cruz”, no Novo Testamento, é a palavra grega stauros, que ‘denota, principalmente, uma poste ou estaca vertical” (Vine’s Expository Dictionary of Old and New Testament Words, 1985, “Cross, Crucify” ― W.E. Vine, Dicionário Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento, 1985, “Cruz, Crucificar”).
“Ambos, o substantivo e o verbo stauroo, ‘amarrar a uma estaca ou poste’, são, originalmente distintas da forma eclesiástica de uma ‘cruz’ de dois postes” (ibid.).
A Bíblia não tem nenhuma descrição específica do stauros em que morreu Jesus. A palavra stauros foi usada em escritos não bíblicos da época para se referir a peças de madeira de vários tipos, sendo cruz ou não. Se fosse importante saber a forma exata, certamente os autores dos Evangelhos teriam nos deixado essa informação — contudo, nenhum deles fez isso. O importante para nós é sabermos que Jesus, voluntariamente, sacrificou a Sua própria vida para nossa salvação.
Como não sabemos se Jesus foi executado em um madeiro ou em qualquer tipo de cruz, então como essa forma em “tê” acabou se tornando o símbolo mais popular do cristianismo?
O Dicionário de Vine explica: “A forma de uma cruz de duas traves teve sua origem na antiga Caldéia e foi usada como símbolo do deus Tamuz (tendo a forma do Tau místico, a letra inicial de seu nome) naquele país e em terras adjacentes, inclusive no Egito. Por volta dos meados do 3.° séc. A.D., as igrejas ou se tinham apartado ou tinham parodiado certas doutrinas da fé cristã.
“A fim de aumentar o prestígio do sistema eclesiástico apóstata, aceitavam-se pagãos nas igrejas, à parte de uma regeneração pela fé, e permitia-se-lhes em grande parte reterem seus sinais e símbolos pagãos. Assim se adotou o Tau ou T, na sua forma mais freqüente, com o madeiro atravessado um pouco abaixado, para representar a cruz de Cristo” (ibid.).
Assim, vemos que o símbolo mais comum de Cristo e do cristianismo tradicional foi um símbolo que antecedeu a Jesus e ao cristianismo bíblico.