Comentário Bíblico
Deuteronômio 23
O Ingresso à Congregação
Os versículos 1-8 deste capítulo tratam de leis pertinentes à antiga nação física de Israel — elas não são aplicáveis à Igreja de Deus hoje. Por exemplo, o versículo 6 afirma que Israel não deveria buscar a paz dos amonitas ou dos moabitas "nem bem em todos os teus dias, para sempre". Entretanto, Cristo disse a Seus discípulos para amarem seus inimigos e abençoarem aqueles que os amaldiçoarem, além de serem pacificadores (Mateus 5:9, 43-45). A palavra "para sempre" em Deuteronômio 23 deve ser entendida em seu próprio contexto. Frequentemente, essa palavra significa sempre que as condições exigirem (por exemplo, Êxodo 21:5-6). Deuteronômio 23:1 proíbe eunucos de entrarem na assembleia do Senhor — ou seja, eles estavam proibidos de receber a cidadania israelita com todos os direitos advindos dela, pois isso lhes daria o direito à plena participação na sociedade israelita. Assim, tendo o status de "estrangeiro", eles poderiam participar dos cultos de adoração e de muitos outros aspectos da vida do povo israelita, mas ainda eram proibidos de fazer certas coisas, como, por exemplo, participar da Páscoa.
E eles não tinham todas as proteções da lei que os israelitas tinham, como, por exemplo, o direito de ser libertado da escravidão no ano sabático. Além disso, segundo os versículos 2-3, os descendentes de uniões ilegítimas, bem como de amonitas ou moabitas, não podiam obter a cidadania israelita até que a família tivesse habitado entre o povo de Deus por dez gerações. Novamente, diz-se que essa a regra é para sempre. Mas para aqueles que estão em Cristo, essas distinções não existem e nem podem ser aplicadas da forma descrita aqui. Os verdadeiros cristãos podem ser de qualquer nação e não importa se tenham alguma deficiência física. Como receptores do Espírito Santo, eles são israelitas espirituais, que podem adorar a Deus imediatamente em Espírito e em verdade (João 4:24). Como Paulo disse aos gentios convertidos: "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos Santos e da família de Deus" (Efésios 2:19).
Deuteronômio 23:9-11 afirma que um indivíduo que tiver alguma contaminação cerimonial durante a noite somente ficará ritualmente limpo novamente no próximo pôr do sol. Obviamente, essa lei ritual não está mais em vigor. Ainda assim, como mencionado antes, não restam dúvidas de que a observação dessas leis trazem benefícios à saúde. Portanto, o princípio subjacente da limpeza física ainda é válido atualmente. Os versículos 12-13 dizem respeito às leis de saneamento sobre como lidar com dejetos humanos. Lembre-se da informação no Comentário de Levítico 13-15 sobre o esterco ser usado como um ingrediente importante nas pomadas "curativas" do antigo Egito. Obviamente, elas não tinham nenhum efeito curativo e ainda pioravam a situação do enfermo. Mas o conhecimento revelado pelo Deus onisciente salvou os israelitas dessas práticas prejudiciais. E no próximo versículo, Deuteronômio 23:14, deve-se notar também que isso pode ser aplicado de uma maneira espiritual: Deus pode se afastar de nós se vir algo espiritualmente impuro em nossas vidas do qual não queremos nos livrar.
A proibição contra a expulsão de um escravo refugiado nos versículos 15-16 não tem nada a ver com os servos contratados dentro de Israel. Em sua nota sobre esses versículos, o comentário Jamieson, Fausset, & Brown Commentary afirma o seguinte: "Evidentemente um servo [escravo] fugitivo dos cananeus ou de qualquer povo vizinho que, por se sentir oprimido pela tirania, tenha se refugiado em Israel e adotado a verdadeira religião, não deveria ser entregue pelos habitantes do lugar para onde havia fugido em busca de proteção".
Preço de cão?
No versículo 18, é expresso o princípio de que o ganho ilícito não pode se tornar "sagrado" ao dar-se uma parte dele a Deus. Observe aqui que a palavra "cão" não se refere especificamente a um animal. Esse termo precisa ser entendido com base no versículo anterior, que faz menção a duas ocupações relacionadas ao texto — a de uma prostituta ritual e a de um "sodomita", ou seja, um prostituto. Assim, uma rameira e um cão se referem a uma prostituta e a um prostituto. No antigo Oriente Médio, geralmente os cachorros eram vistos como necrófagos inúteis e por isso se tornaram uma metáfora para pessoas inescrupulosas ou imorais. Aliás, a palavra "cão" frequentemente é usada como metáforas na Bíblia (Salmos 22:16, 20; Mateus 7:6; 15:26-27; Filipenses 3:2; Apocalipse 22:15). Contudo, se alguém administra uma loja de animais, onde cria animais e vende cães, é perfeitamente aceitável oferecer uma parte de seu lucro a Deus, pois, o versículo em questão não tem nada a ver com isso.
Os versículos 19-20 proíbem cobrar juros de um irmão pobre, mas permitem cobrar juros módicos de um estrangeiro, pois o empréstimo a estrangeiros geralmente era feito num contexto comercial (Jamieson, Fausset & Brown's Commentary, nota sobre 23:19-20; Hasting's Dictionary of the Bible, Dicionário Bíblico Unger; Novo Dicionário da Bíblia; "Usury [Usura]"). Contudo, hoje em dia, a Igreja de Deus tem entendido que um israelita tem permissão para cobrar juros módicos até mesmo de outro israelita se o propósito desse empréstimo não for o de ajudar a um irmão pobre e necessitado, mas uma simples transação comercial num contexto de negócios.
Aliás, Cristo não viu nada de errado nesse tipo de transação financeira (a cobrança de juros) em algumas de Suas parábolas (Mateus 25:27; Lucas 19:23). Hoje em dia, esses mesmos princípios se aplicam aos membros da Igreja. A julgar pelo espírito da lei, seria inapropriado para um cristão cobrar juros de uma pessoa pobre e necessitada, independentemente de ela ser ou não membro da Igreja (Gálatas 6:10). Por outro lado, não seria errado para um cristão cobrar juros de um empréstimo feito a uma pessoa, até mesmo de um membro da Igreja, se for no contexto de uma transação comercial.